Nota à Imprensa


06 de Outubro de 2005


Tendo sido suscitadas dúvidas de interpretação sobre o sentido das palavras do Presidente da República proferidas por ocasião do 5 de Outubro, nomeadamente quando disse que quem enriquecesse inexplicavelmente teria de passar a explicar ao Estado o “como” e o “quando”, e que com isso se inverteria o ónus da prova, esclarece-se que o Presidente se queria referir a medidas de natureza fiscal e a medidas de natureza penal que devem ser introduzidas no combate à corrupção.

Obviamente que tais medidas deveriam ser acolhidas com respeito pelo princípio da culpa estabelecido na Constituição. Assim sendo, o que está em causa, para o Presidente da República é a inversão do ónus da prova em matéria fiscal e redistribuição do ónus da prova em matéria penal.


De que se trata então?

Quanto às medidas de natureza fiscal, tratar-se-ia de presumir rendimentos correspondentes aos bens adquiridos e fazer pagar o respectivo imposto.

Quanto às de natureza penal, tratar-se-ia da possibilidade de passar a considerar crime, que poderia denominar-se de enriquecimento ilícito, a aquisição de bens, acima de determinado valor, em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados pelo adquirente.

Cessaria a punição se o adquirente provasse que os bens foram adquiridos por meios lícitos, por exemplo uma doação; ou se provasse que, apesar de os não ter declarado ao fisco, os valores com que pagou os bens foram licitamente adquiridos.

Também não haveria punição se a conduta que deu lugar aos rendimentos (por exemplo crime de corrupção, de branqueamento de capitais de tráfico de droga), constituísse crime e o infractor fosse punido por ela. (É o que acontece no crime de difamação. O Ministério Público prova que a imputação feita a alguém lesa a honra e a reputação dessa pessoa e quem foi o autor da imputação. O presumível autor prova as escusas absolutórias: a) – que tinha interesse legítimo na imputação; b) que, em boa fé, podia ter a imputação por verdadeira).

Coisa bem diversa seria presumir-se que quem enriquecesse inexplicavelmente e não explicasse a proveniência lícita dos seus bens pudesse ser condenado pelo crime de corrupção.

Isso, sim, violaria o principio de culpa.

Lisboa, 6 de Outubro de 2005