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Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas - Discurso do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações
Porto
Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia da República Senhor Primeiro - Ministro Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Senhor Presidente do Tribunal Constitucional Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto Senhor Bispo do Porto Senhores Embaixadores Senhores Ministros Senhores Deputados Minhas Senhoras e Meus Senhores
Em menos de uma década, por três vezes, terras de Portugal foram palco de manifestações em que Portugal foi o país escolhido por instâncias internacionais, quer à escala mundial quer à escala europeia. É sabido que vozes respeitáveis minimizaram e minimizam tais efemérides, considerando-as luxos para que não temos posses, fogos fátuos que se extinguem na ficção que encenam, muito barulho para nada. Não falta quem as considere, mesmo, lamentáveis exibições de provincianismo, sublinhando o contraste que, a ver deles, existe entre a vaidosa retórica que, para consumo interno, exibem e a indiferença ou secundarização a que a comunidade internacional as vota. Com papas e bolos... E os tolos seriam os portugueses, que vão à frente, ao lado, ou atrás da festa, novas cigarras que as formigas vizinhas convidarão à dança, em invernos que nos profetizam próximos, depois de tantos termos cantado em 94, em 98 ou, agora, em 2001. Independentemente de dar mais razão às formigas do que às cigarras – e independentemente, até, de se ajuizar da validade da metáfora que identifica as cigarras com os promotores ou defensores das festas e as formigas com os seus detractores – persiste um facto – facto histórico – pelo menos para aqueles, como é o meu caso, que viveram boa parte da vida adulta sob um regime que se orgulhava da sua solidão, que me parece merecer algum reparo. O que foi e é possível nesta última década – a escolha de cidades portuguesas como capitais culturais da Europa, a escolha de Portugal como país organizador de uma Exposição Universal – era impensável durante quase todo o século passado, quer quando fomos o país das revoluções ou dos motins, quer quando fomos o país da ordem imposta e da mordaça na boca.
Como seria recebida, então, caso alguém fosse suficientemente cego para a propôr, uma candidatura portuguesa a capital cultural da Europa, ou a sede de uma exposição universal? Quem viveu esses tempos sabe-o bem; quem os não viveu, adivinha. O impensável – apenas há vinte e cinco anos – tornou-se natural. Digo-vos e digo-vos muito sinceramente: nunca esperei viver tempos, em vida minha, em que as questões se pusessem apenas em torno da repetitividade deste género de acontecimentos, da sua bondade ou da sua maldade, dos seus benefícios ou dos seus malefícios. Nunca esperei ver estes filmes, e muito menos – ainda que muito secundário – ser actor deles. Objectar-me-ão que me contento com pouco e, que alguma coisa sabendo de cinema, devia ser mais exigente nos papeis e nas obras. Mas quando os comparo com as imagens de outros tempos, não hesito em reconhecer que a diferença é enorme.
Sei – como todos sabemos – das polémicas suscitadas pelas opções traçadas para o Porto neste ano de 2001. Desde o inicio se quis que prevalecesse – sobre a efeméride e a efemeridade inseparável dela – um projecto para além de 2001. Uma renovada visão da cidade, em que o novo ou o moderno, conceitos que tanto atraiem como repelem as gentes de uma cidade que Torga dizia "não parecer fadada para cavalarias cosmopolitas", prolongassem, própria e historicamente, as suas origens românicas, barrocas, românticas e, sempre, assumidamente teatrais. Será esse objectivo alcançado? Quem viver, verá. Mas, nós todos, os vivos de 2001, não precisámos de viver mais para ver esta cidade, ainda que simbolicamente, ainda que partilhadamente, ser Capital da Europa, ou, melhor, ser Capital do património supremo da Europa: a cultura. Para mim, que amo o Porto ao mesmo tempo como uma cidade em que sempre me sinto no estrangeiro e como uma cidade onde encontro as raízes da minha cultura; como a cidade do imaginário português no que ele tem de mais irredutível, de Camilo a Agustina, de António Pedro a Manoel de Oliveira; como "a segunda cidade do Portugal Europeu e a primeira do Portugal Peninsular", na bela e justa expressão de Miguel Torga; como a origem mais intraduzível do que há nos portugueses de tradicional e libertário, de conservador e de anárquico; para mim, dizia, o facto do Porto ser este ano Capital Cultural da Europa (seja o que for que isso signifique) é o reconhecimento capital do que esta cidade e a cultura dela têm de mais secreto e desmedido, de mais brumoso e granítico. É uma "razão significativa e profunda", como Vitorino Nemésio dizia que era a razão do nome do Porto, "ter alastrado a um 'território' primeiro e logo a um condado e a uma nação revestida de um Estado que nunca se encontrou rigorosamente nele". Nemésio falava de "capitalidade nuclear". É essa capitalidade que lhe é reconhecida este ano, o ano da "doce tristeza europeia", essa que, segundo Agustina, os restos da muralha fernandina "encravam ainda no próprio rosto da cidade", tendo atrás dela – na "indeferida memória" dela – a "nobreza mourisca", "o judeu caviloso e astuto", "o fenício do grande comércio", "o homem da Lusitânia criticador e inerte".
Senhor Presidente da República: muito obrigado por me ter dado a palavra. Minhas Senhoras e Meus Senhores: muito obrigado por me terem escutado. Porto, 10 de Junho de 2001
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