Mensagem à Assembleia da República Portuguesa

Lisboa
19 de Setembro de 2001


Os recentes atentados terroristas em Nova Iorque e em Washington marcam uma viragem histórica na vida da comunidade internacional. Ficou provado que um grupo criminoso, agindo numa sociedade democrática, tem uma capacidade de destruição que, até então, julgávamos exclusivo apanágio de actos de guerra.

No dia 11, em Nova Iorque e Washington, foram destruídos vidas e símbolos norte-americanos. O Estado português manifestou de imediato a solidariedade com os Estados Unidos da América. Portugal é um país amigo tanto nas horas de alegria como nas de luto.

Nesse dia, em Nova Iorque e Washington, não foram apenas destruídos vidas e símbolos dos Estados Unidos da América. Foram assassinados muitos cidadãos de numerosos Estados, entre os quais Portugal. Curvo-me perante a memória de todos os mortos e em particular perante a dos nossos concidadãos, vítimas inocentes da barbárie sem rosto.

Nesse dia, há que reconhecê-lo, foram igualmente atacados os fundamentos - que são os nossos - de uma sociedade aberta, livre e democrática.

Perante a dimensão dos atentados terroristas, a ameaça aos nossos valores e às nossas vidas, importa que se proceda a uma reflexão colectiva sobre a resposta a dar a esta nova dimensão do terrorismo. Por isso, decidi enviar a presente mensagem à Assembleia da República.

Faço-o porque a Assembleia é sede da representação de todos os cidadãos portugueses e, por isso, constitui o local privilegiado para se desenvolver uma discussão nacional, séria e ponderada sobre uma das mais graves ameaças à segurança e paz internacionais e sobre as orientações e decisões que o Estado português deve tomar sobre o problema.

A Resolução nº 1368 do Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou com invulgar dureza os atentados, reconhecendo, pela primeira vez, o exercício do direito de legítima defesa contra o terrorismo internacional. A Organização do Tratado do Atlântico Norte abriu a possibilidade de recurso ao artº 5º do Tratado, uma decisão nunca antes tomada na sua História. Portugal revê-se nessas interpretações dos factos. O país pela voz do seu Executivo, manifestou-se já disponível para estudar as formas mais adequadas à participação nacional no esforço necessário ao combate ao terrorismo. O Governo tomou de imediato as medidas necessárias para fazer face ao agravamento dos problemas da segurança internacional e às potenciais ameaças à segurança interna.

Num contexto desta gravidade – cuja extensão, aliás, está ainda por apurar – congratulo-me com a convergência das posições públicas assumidas por todos os responsáveis políticos. Apelo aqui a que os partidos mantenham total disponibilidade para um diálogo que nem sempre será fácil. Julgo importante defender o princípio da procura de um amplo diálogo e consenso políticos porque temos perante nós delicadas e difíceis decisões a tomar, seja quanto à consolidação dos princípios que devem orientar permanentemente a participação de Portugal em iniciativas multilaterais, seja no domínio do reforço da segurança do país e da paz internacional, seja, ainda, na salvaguarda do primado da dignidade da pessoa humana constitucionalmente consagrado.

Em todas estas matérias tem a Assembleia da República uma palavra fundamental. Incito-vos a debatê-las, por antecipação à pressão de conjunturas, e por forma a melhor assumir o nosso papel no plano internacional e a definir a sua legislação no domínio da segurança interna e da reestruturação das Forças Armadas.

A ameaça do terrorismo é séria e atingiu uma nova dimensão. Seria irresponsável supor que dela estamos excluídos. O inimigo é real e poderoso. A ameaça terrorista exige respostas novas e eficazes. Essas respostas têm que se situar nos quadros da comunidade internacional e da sua ordem jurídica e deverão ser utilizadas com firmeza, adequação, proporcionalidade e bom senso.

Todos somos igualmente vulneráveis perante o ódio e a capacidade de acção da criminalidade organizada que é o terrorismo. O nosso objectivo deve ser claro: obter a punição para os responsáveis e, sobretudo, prevenir a repetição desses terríveis atentados e dissuadir os que se envolvem ou dão cobertura a este tipo de actividades. É este objectivo que importa alcançar e preservar.

Importa igualmente, sobretudo num momento em que a razão deve prevalecer sobre as emoções, evitar a tentação de confundir o terrorismo internacional e o seu ódio fanático com uma região, com uma cultura ou com uma religião. Não é preciso ter uma memória histórica muito longa para reconhecer que o fanatismo e o fundamentalismo não são exclusivos de nenhuma região, de nenhuma cultura, de nenhuma religião. A tolerância, o respeito pelas minorias e pela diferença devem continuar a ser apanágio das nossas sociedades abertas. Quero deixar aqui o apelo veemente a que esses princípios sejam respeitados.

O que está em causa é a luta contra o terrorismo internacional, é a luta pela segurança e pelo direito, na qual devem ser chamados a cooperar todos os Estados responsáveis, decididos a defender a sua autonomia e os seus interesses contra a chantagem permanente das organizações criminosas do terrorismo.

Os terroristas têm de ser castigados. É preciso desenvolver acções políticas, diplomáticas e, se necessário, militares para que os culpados sejam trazidos perante a Justiça. Não basta porém identificar os terroristas e aplicar-lhes um castigo. Temos também que rever os métodos e os planos em que a cooperação internacional para a paz e a segurança devem decorrer.

Os Estados Unidos não estão sozinhos. Desde logo, receberam, na primeira hora, a solidariedade plena dos seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte e da União Europeia bem como as expressões do apoio de inúmeros outros Estados. De entre elas, é importante sublinhar, pelas repercussões internacionais que acarretam, as manifestações de solidariedade da Rússia e da Índia, bem como a condenação dos atentados pela China. Um número importante de países do Médio Oriente, bem como os responsáveis da Autoridade Palestina, não hesitaram em repudiar os atentados contra os Estados Unidos.

Há que transformar essas posições iniciais num quadro efectivo de cooperação internacional entre todas as potências responsáveis, indispensável para isolar as redes terroristas e destruir a sua capacidade de acção criminosa. Importará, pois, reforçar imediatamente a cooperação internacional no combate ao terrorismo.

Num outro plano, já não nos é lícito ignorar que a conflitualidade internacional tem que ser resolvida essencialmente por meios políticos. Herdamos do período da Guerra Fria um conjunto de conflitos e tensões regionais. Alguns duram já há décadas. Muitos, há que reconhecê-lo, foram estimulados pela lógica das grandes potências no contexto dessa Guerra. É necessário desenvolver uma política de cooperação internacional que promova a paz e a solução duradoura desses conflitos. Ela é indispensável para que possamos combater eficazmente o subdesenvolvimento, a ausência de Estados de Direito e de práticas democráticas. São estes os contextos em que germinam e se desenvolvem fanatismos de toda a ordem e muitas lógicas terroristas capazes de atingirem os níveis de desumanidade agora demonstrados.

Pela nossa parte, não deixaremos de nos empenhar, com consciência plena da prioridade da luta contra o terrorismo internacional, dos nossos deveres como membros da comunidade das democracias europeias e ocidentais, e dos interesses da segurança nacional.

Creio ser decisivo inscrever essa campanha e os nossos próprios esforços num quadro de articulação crescente entre os sistemas de segurança internacionais em que estamos integrados e, paralelamente, no reforço do processo de integração europeia. Os princípios orientadores do direito internacional têm de ser respeitados e as Nações Unidas têm de continuar a desempenhar um papel essencial no espírito da sua Carta fundadora.

Existem agora condições acrescidas e razões imperativas para fortalecer o trabalho conjunto dos Estados membros da União Europeia nos domínios da justiça, do controlo das fronteiras e dos espaços aéreos, da concertação entre os aparelhos de segurança interna e externa. Do mesmo modo, podemos esperar que a luta anti-terrorista represente um motivo adicional para aprofundar uma política externa, de segurança e de defesa comum da União Europeia, permitindo que esta aja de forma concertada e se exprima de forma clara e a uma só voz.

Por todos os motivos, parece razoável sublinhar a relevância do interesse comum dos Estados membros da União Europeia na campanha contra o terrorismo internacional, em todas as dimensões, desde a intensificação do trabalho coordenado dos sistemas de segurança, ao desenvolvimento de capacidades próprias no domínio dos serviços de informação até à sua intervenção política e diplomática nas relações internacionais, incluindo a resolução de conflitos.

A nova situação vai pôr à prova não só a nossa vontade e a nossa determinação, como a nossa capacidade para fazer evoluir as instituições multilaterais regionais e internacionais, designadamente no domínio, tão sensível e delicado, da justiça, do direito e da segurança.

As autoridades competentes devem desenvolver e promover, na justa medida, uma cultura democrática sobre a segurança, adequada ao combate ao terrorismo, de forma a que a legalidade democrática seja rigorosamente respeitada e não fique à mercê de assassinos.

A resposta à ameaça terrorista não será dada num dia. A luta contra o terrorismo é um combate justo, pela democracia, pelos valores da dignidade, da segurança e do direito. É um combate pelos princípios em que não há lugar para falsas neutralidades. É um combate que será travado, durante um período prolongado, com dificuldades, com perdas e com riscos. Será o trabalho talvez de uma geração. Por isso, devemos começá-la hoje mesmo. Ninguém poderá duvidar que combateremos com determinação e justiça.

Estamos confrontados, ultrapassado o assombro inicial, com a necessidade de uma reflexão muito séria e delicada sobre o justo equilíbrio de princípios fundamentais do Estado de Direito. Entre a eficácia do combate a este tipo de criminalidade internacional e as liberdades e garantias fundamentais há uma relação de tensão sobre cujo sentido talvez nem sempre estejamos todos de acordo. Essa discussão é crucial. Ela questionará, por longos anos, o património cultural e jurídico das nossas sociedades e dos nossos Estados de Direito, e as nossas convicções pessoais tidas como definitivamente adquiridas. Isso pode afectar os factores de inclusão e integração em que assentam as nossas sociedades.

Devemos, portanto, procurar obter acordos sociais e políticos alargados e, para tal, o local privilegiado de debate e resolução será sempre a Assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses. Aqui deixo, pois, um apelo a que a Assembleia da República tenha em todo este debate um papel central e seja uma referência de serenidade de análise e de ponderação de medidas.

Entendo, da minha parte, que, numa situação tão crítica, tenho uma responsabilidade particular neste esforço e daí a razão de ser desta mensagem que dirijo à Assembleia da República. Entendo ser meu inalienável dever perante os portugueses tudo fazer para que desta conjuntura o país possa tirar as necessárias e efectivas consequências. Empenhar-me-ei nos esforços diplomáticos do Estado português. Empenhar-me-ei, no plano interno, em contribuir para uma reflexão séria e profunda sobre as consequências e ilações a tirar nos domínio da segurança e da defesa dos direitos fundamentais. Tal como, à luz destes acontecimentos, será minha preocupação reforçada conferir um carácter de urgência à racionalização e reestruturação das Forças Armadas e à adequação da Lei de Programação Militar, bem como à avaliação detalhada das condições de exercício dos nossos serviços de segurança. Por tudo isso, entendi convocar o Conselho de Estado e o Conselho Superior de Defesa Nacional.

Esta é uma época em que os Órgãos de Soberania têm, com acrescida razão, de utilizar toda a informação indispensável a uma análise aprofundada desta conjuntura e de articular um conjunto de medidas que incutam nos portugueses a convicção de que a segurança democrática do Estado foi reforçada neste novo quadro criado pelos dramáticos acontecimentos do dia 11 de Setembro.

Hoje, mais do que nunca, é, enfim, preciso que as instituições sociais mantenham a sua coesão e que a economia mantenha a sua capacidade de resposta aos problemas do desenvolvimento. A nossa vida de todos os dias mudou devido à nova ameaça terrorista, mas continua a exigir que eduquemos os nossos filhos, aumentemos a produtividade da nossa empresa ou serviço, estudemos ou ensinemos com mais proveito. Confio que os portugueses encontrarão as respostas para vencerem os desafios do passado e as ameaças do futuro.

Lisboa, 19 de Setembro de 2001