Entrevista de SEXA PR ao Jornal "Público"

Jornal "Público": JOSÉ MANUEL FERNANDES, Luciano Alvarez e São José Almeida
02 de Fevereiro de 2002


PRESIDENTE REFLECTE SOBRE SITUAÇÃO DO PAÍS
"Não Pensem Que Vamos Voltar a Ter Eleições Todos Os Seis Meses"


O Presidente da República, Jorge Sampaio, deseja que as próximas eleições produzam uma "solução clara". O que não quer dizer, obrigatoriamente, uma maioria absoluta. Algo, no entanto, garante: cumprirá os preceitos constitucionais, ouvirá os partidos, mas fará tudo para que não entremos num novo ciclo de instabilidade. Por isso disponibiliza-se desde já para ajudar a fazer os "acordos de regime" necessários ao impulso reformista de que o país necessita.

Passou a entrevista a dobrar e desdobrar um clip. Pelo meio pediu um chá. E por mais de uma vez recorreu ao volumoso dossier que tinha preparado para responder às perguntas do PÚBLICO. Aqui e além folheou algumas fichas, mas também gesticulou muito. Entusiasmou-se e, por vezes, sentiu-se que estava com vontade de ir além do seu habitual comedimento, optando por um discurso claro e com palavras fortes. Nesta sua primeira grande entrevista depois das eleições autárquicas e a menos de dois meses de legislativas antecipadas, Jorge Sampaio revisita alguns dos seus temas predilectos: a reforma do sistema político, a solidariedade social, o papel das forças armadas. E clarifica o jogo pós-eleitoral, dando a entender que pode vir a ter um papel mais interventivo que a "solução clara" que deseja não corresponder à maioria absoluta de um só partido.

PÚBLICO - Tem afirmado que era bom que das próximas eleições saísse um mandato claro. Está a referir-se a uma maioria absoluta?

Jorge Sampaio - Em primeiro lugar estas eleições, acontecendo no contexto em que acontecem, exigem de cada força política que as preparem com o melhor que têm de si, até porque a sociedade olha para elas com um grande nível de exigência. Estou um pouco cansado de ouvir perspectivas autofágicas, elites desmobilizadas e hipercríticas como se estivéssemos no fim do século XIX e, por isso, impus a mim próprio ser um dinamizador para que o esclarecimento se faça. Perante diagnósticos que recolhem unanimidades muito largas...

As divergências começam nos diagnósticos.

Há unanimidades largas relativamente a certos temas. Mas alguns silêncios sobre a maneira de os resolver. Ora o povo português tem de chegar a 17 de Março conhecedor das opções e das medidas propostas. Tenho um optimismo fundado, acredito que conseguimos sempre responder quando há dinâmica, lideranças, agentes políticos determinados, projectos colectivos capazes de mobilizarem as pessoas. É disso que se trata a 17 de Março. Para isso os órgãos de comunicação social também têm, como já tiveram nas autárquicas, de desempenhar um papel decisivo, cortando com o pessimismo reinante.

Dito isto, nada tenho contra maiorias absolutas, não me compete a mim substituir-me ao eleitorado, é antes sobre as escolhas do eleitorado que me compete decidir, mas espero que um mandato claro se consubstancie num poder capaz de impor o ritmo reformista de que o país necessita. A forma de se lá chegar, terão os eleitores de decidir. Uma coisa é certa: precisamos de estabilidade e não gostei nada de transpor para a vida nacional um resultado autárquico, só que não havia outro caminho a seguir face às circunstâncias e depois de ouvir os partidos políticos. O que sucedeu é negativo para a configuração parlamentar-presidencial deste regime - que não é semi-presidencialista. Não foi positivo que a crise se formasse de forma exterior à Assembleia da República, mas criou-se uma oportunidade que temos de aproveitar. Temos de recuperar a estabilidade que tivemos durante 15 anos, e quando falo de mandato claro falo de governar com estabilidade e de modo a que essa estabilidade seja dinâmica, que não seja anémica.

No nosso regime parlamentar-presidencial, tal como o definiu, pode caber ao Presidente algum papel caso não apareça uma maioria absoluta? Pode o Presidente ter um papel pró-activo na formação de coligações?

Saúdo a frequência com que hoje se fala na necessidade de pactos políticos, em acordos disto e daquilo... Como sabem, ando a falar disso há muitos anos. É minha convicção que, para fazer frente a certos interesses criados em Portugal, isso só é possível por uma via reformista sustentada em muita clareza política. Mais: mesmo em caso de maioria absoluta, mesmo aí se justifica haver acordos de regime - veja-se o caso espanhol. Portanto, o que digo, e agora digo-o claramente pela primeira vez, é que se houver disponibilidade política para fazer reformas, eu estou sempre disponível para ajudar a que essa via reformista seja consolidada. Não me substituo nem aos governos nem aos partidos, mas estou disponível para ajudar a formar plataformas de entendimento sobre questões fundamentais. Dou dois exemplos. Um é óbvio e envolve a União Europeia, onde Portugal vai ser colocado perante exigências muito grandes. O outro é as forças armadas. Nunca se avançará para a sua reforma e modernização sem um consenso nacional mínimo, o exemplo da lei de programação militar não é repetível porque é lamentável a todos os títulos. Mas há mais áreas onde é necessário um conjunto de acordos mínimos.

Para além dos acordos de regime, que terão sempre de envolver os dois maiores partidos, há a questão da estabilidade do Governo. Acha possível um cenário em que o primeiro-ministro não seja o líder do partido mais votado, mas sim o líder do partido que conseguir formar uma coligação maioritária...

Primeiro, é preciso um Governo capaz de governar e que dê estabilidade ao país. Não é a estabilidade de não fazer, é a estabilidade de uma dinâmica capaz de ir ao encontro dos problemas nacionais. Sendo este é um primeiro ponto, não nos esqueçamos que o Presidente interpreta os resultados eleitorais e obedece á Constituição da República. Há nisto uma praxe portuguesa onde o parlamento é chamado a desempenhar a principal tarefa. Se o parlamento viabilizar uma solução com condições de estabilidade mínimas, essa deve ser a solução. De resto, há mesmo quem defenda que era positivo que, em Portugal, o programa do Governo tivesse de ter um voto afirmativo para passar. Eu sou cada vez mais dessa opinião, porque ela consolida a maioria que se apresenta a tal voto de confiança.

Teremos é de encontrar soluções no parlamento, seja ele qual for. Não pensem que vamos voltar a ter eleições todos os seis meses. Isso não possível, não é desejável, nem é credível. Se o país der um mandato claro, óptimo, se não der um mandato tão claro... bem teremos sempre de encontrar uma solução de Governo. O país precisa de um Governo capaz de tomar medidas, de as impor democraticamente, de um Governo que governe com autoridade democrática.

O desgaste que o Governo tinha até às eleições autárquicas era extraordinário...

Então sempre havia um crise e era necessário mudar o Governo...

Crise é palavra que não uso. Quem viveu a presença do FMI em Portugal e a ausência de divisas no Banco de Portugal, tem de ter algum cuidado com o emprego fácil da palavra crise. Não estamos nessa, acho eu.

Mas um Presidente da República não demite um Governo por ele ser pior ou melhor. Isso seria populismo presidencialista. O presidente não dá saltos por cima das fases que têm de ser seguidas, mas se cairmos na instabilidade, então não resolveremos nenhum dos problemas nacionais.

Pode entender-se das suas palavras que desejaria que se formasse um Governo que tivesse apoio maioritário na AR, porque retira da experiência dos últimos dois anos que um Governo sem essa maioria não governa. Nós tínhamos um Governo que não governava?

Nós já vivemos tudo: coligações, governos de minoria, como o primeiro do professor Cavaco Silva - que todos acham que foi o seu melhor Governo -, já vivemos maiorias absolutas por duas vezes, já vivemos seis anos com maiorias relativas fortes, portanto essa não é a questão. Pode-se ser minoritário no Parlamento e ter um largo apoio no país, pode-se ter maioria e ter o país todo contra. A questão é sempre a mesma: ter um Governo capaz de governar, capaz de reformar através de um processo reformista permanente e de ir fortalecendo a sua base de apoio por ir ao encontro das expectativas dos cidadãos e dos sérios problemas nacionais. As fórmulas políticas podem ser muitas. Depois das eleições, chamarei quem de direito para formar governo. Se esse alguém vier depois dizer que não pode formar governo, então teremos que ir ver quem é que pode. Agora não posso é dissolver outra vez.

Por outro lado, este último ano produziu, mesmo que ainda muito intuitivamente, algumas avenidas de convergência. Agora temos de ver se as conseguimos aproveitar para criar uma ampla base política reformista. Sem essa base os interesses ganham, e eu estou empenhado em que os interesses não ganhem em Portugal. Dou um exemplo: olhemos para a educação, para a batalha da qualidade. Essa questão só se resolve com exigência, mas para exigir precisamos de ter uma base política forte. Caso contrário, serão os vários interesses que se transformam no centro das preocupações.

Interesses sindicais, por exemplo?

O que digo é que a focagem nos grupos de interesse organizados é errada. Temos é de ter força política, de perceber que a política enquanto tal perdeu força, credibilidade, capacidade. Isso passa-se nas forças armadas, na saúde, na justiça. Quando nos centramos nos interesses grupais, a política torna-se incapaz de impor uma prática, de implicar uma visão estratégica. Se um Governo, qualquer que seja a sua base inicial, consegue ter os cidadãos do seu lado, porque lhes consegue mostrar que está no sentido das reformas, no sentido dos seus interesses, no sentido genérico do desenvolvimento, da justiça social, da solidariedade, da inovação, esse Governo estará a ganhar espaço de manobra e espaço de apoio. Essa foi a dinâmica que faltou neste último ano.

Desse ponto de vista, essa crise a que chamou artificial...

Não, também não acho que seja artificial.

Digamos então que "Deus escreveu por linhas tortas" quando criou condições para uma consulta eleitoral numa altura em que ela não era previsível...

Governar significa optar e com isso ferir interesse instalados, mas um governo também permite alargar uma base de apoio se for ao encontro das expectativas e das necessidades do maior número de pessoas. O que é preciso demonstrar é que a política voltou ao primeiro plano, que a política é uma coisa nobre. Já não posso ver a crítica da política feita pelos não políticos. Tenho, aliás, imensa pena que esta oportunidade tão extraordinária não faça vir à política mais pessoas da maior competência. Ora a verdade é que dão a sua opinião mas ficam no seu canto. E sei porque é que não vêm: se ganham 100 mil contos ano, não vou ganhar 500 contos por mês na Assembleia.

Acha que é só isso?

Não. Também ninguém quer ter a vida devassada. Eu vejo os meus jovens lá em casa e os amigos deles. Adoram política, mas fazer política não estou a vê-los.

Portanto, o problema não é só o dinheiro.

É tudo. Também são os partidos políticos que não são aliciantes.

É por isso que os nossos melhores estão cada vez menos na política?

Tenho imensa pena que as elites nacionais, que nestes períodos aparecem sempre, depois não participem. Tenho pena que os partidos políticos sejam algo fechados, muitas vezes afastados do quotidiano da vida, que não tenham as portas abertas, para as pessoas entrarem e saírem.

Apesar dos seus alertas, os partidos políticos não parecem querer fazer nada para mudar esse estado das coisas.

Alguma coisa tem acontecido, mas este problema não é só nosso. O pior é que temos uma sociedade civil fraca. Os Estados Unidos podem ter uma fraca participação eleitoral, mas têm uma sociedade civil forte, capaz de reagir. Tem exagerada flexibilidade no modelo social, mas também criam emprego com rapidez. O associativismo e a participação nas associações de base é cem vezes superior à que existe entre nós. Hoje na sociedade portuguesa há algum entendimento sobre questões fundamentais, o que não há são os ritmos e os passos necessários para lá se chegar.

Uma fraca sociedade civil, um sistema partidário arcaico...

O adjectivo é seu..

Estamos, portanto, num círculo vicioso em que uns não querem entrar, os outros não querem sair. Ninguém tem coragem para tomar medidas, como, por exemplo, aumentar os ordenados dos políticos. Até que ponto é que o Presidente da República pode ser o catalizador, chamar as pessoas, e dizer: "meus senhores, é necessário fazer um pacto de regime sobre isto e aquilo"?

Já disse que estou disposto a ajudar, embora não invadindo a função legislativa e executiva, que não são minhas. Considero que o momento o justifica, declaro a minha disponibilidade para ajudar. É a primeira vez que o digo com esta clareza.

Isso inclui a reforma do sistema político?

Concerteza. Não estou a pôr-me à frente a acenar, digo é que estou disponível para ajudar a encontrar soluções. Estou disponível com a seriedade e com a isenção de que tenho dado provas, e digo-o agora, qualquer que seja a solução que saia nas eleições.

Quando os portugueses votaram como votaram em Dezembro, não acha que os eleitores estavam a dar razão aos que, ao contrário do Presidente, achavam que era preciso um novo Governo?

Não, acho que sinceramente os dois votos são profundamente diferentes.

Não foi isso que pensou António Guterres...

Não, não foi. Mas está no seu direito. Eu próprio ganhei as eleições autárquicas como secretário-geral do PS em 1989 e ninguém fez nenhuma leitura nacional. Porquê? Porque o ambiente não era propício a isso e a seguir, em 1991, o professor Cavaco Silva até teve de novo maioria absoluta. As coisas não estão tão ligadas assim.

De certa forma o que sucedeu foi que o resultado de 1999 foi impeditivo de algumas coisas essenciais, já que o empate inviabilizou a genuinidade de uma moção de censura ou a genuinidade de uma moção de confiança. Bloqueou essas possibilidades processuais, assim como teve consequências na aprovação dos orçamentos, permitindo as soluções laterais que são conhecidas. Assim, quando chegámos às eleições autárquicas, embora tenham tido componentes localizadas muito significativas, o que sucedeu foi que se manifestou um estado de espírito muito crítico. Também não há dúvida que o senhor primeiro-ministro leu os resultados de uma determinada maneira, apresentou a sua demissão, com essa demissão a via parlamentar ficou claramente esgotada, até porque depois os partidos políticos vieram aqui dizer todos que queriam eleições.

Chegou a pensar noutras soluções?

Cheguei a pensar, mas não me pareceu que houvesse campo político para elas. Mas teria preferido que tivesse havido outras soluções desde que dotadas de necessária consistência política.

Quais?

Existiam outras soluções, mas estavam bloqueadas porque todos partidos políticos queriam eleições. Em face disso, não havia mais nada a fazer. Sendo assim, fui rápido, não se perdeu tempo.

Não se perdeu tempo, mas levou-se um mês a dissolver a Assembleia da República...

Mas isso não pôde deixar de ser por causa dos prazos constitucionais. O Presidente não podia mecanicamente dizer: "são 55 dias, logo vamos ter as eleições em finais de Fevereiro". Se fosse por aí as listas tinham de ser apresentadas logo após o Natal... Os partidos também não estavam em condições programáticas, era preciso dar-lhes espaço. Se me disser que não devia ser assim, que tudo tem de ser mais curto, com outra flexibilidade de resposta, dou-lhe razão-

Os prazos foram encurtados há pouco tempo...

Foram encurtados para a dissolução da Assembleia, mas não para a apresentação das listas. Mexeu-se na lei mas não se fez a junção entre os dois.

Os deputados esqueceram-se, portanto, do prazo para a apresentção das listas?

Esqueceram-se, e tudo ficou uma coisa um bocado absurda. Temos que andar mais depressa nisto.

Assim como temos que andar mais depressa no tempo de formação do Governo?

Bem, aí batemos todos os recordes em 1999.

Mas o facto é que há uma grande diferença entre Portugal, onde se leva quase um mês a mudar de Governo, e o Reino Unido, onde no dia seguinte já há um novo primeiro ministro em Downing Street...

Depois de tantos anos de falcatrua eleitoral, antes do 25 de Abril, criou-se um regime demasiado formalizado, lento, garantístico, disso não há dúvida. Agora temos que passar a outra fase. Sem prejuízo da fiscalização, temos que ser mais ágeis. Há dois anos empenhei-me, com a ajuda do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para acelerar o processo. Alguns juízes consideraram-se isso uma interferência. Se não o tivéssemos feito teríamos gasto mais quinze dias, com certeza.



As Reformas Têm de Ser Feitas, mas Não com Rupturas Sociais


Acordo de regime sobre o défice público? O Presidente evita a pergunta e prefere louvar a serenidade, no diagnóstico da crise, do Governador do Banco de Portugal. Mas acrescenta que há muito para fazer que queremos mudar de rumo e de destino. Só que sem atitudes de "vencidos da vida".

Entre os pontos que podem exigir uma convergência está o défice público. Há alguma unanimidade no diagnóstico, o tema já entrou no debate político, mas os primeiros sinais indicam que não há muita vontade de fazer qualquer pacto...

As coisas agora são assim, mas podem não ser necessariamente assim. Independentemente do nosso debate interno, da força das opções e das escolhas que é preciso fazer, há uma coisa que é preciso dizer: quando se está no exterior, face à delicadeza da questão financeira, temos de ter cuidado com o que dizemos.

Mas é preciso falar verdade, ou não?

Aí louvo a serenidade e competência do dr. Vitor Constâncio e de outros que podia citar. A situação é delicada, tenho falado muito com economistas, tenho um grupo que vem aqui uma vez por mês, e acho que as questões devem ser analisadas com cuidado. A situação é exigente, não admite adiamentos, mas temos condições para a ultrapassar. Mais: as coisas têm de ser feitas, mas não podem ser feitas com rupturas sociais.

Quando falamos de despesa social falamos de segurança social e falamos de áreas com a saúde e a educação, por exemplo. Também é preciso ter em conta a diferença ente o que é gasto e o que é obtido. Poderemos obter, se calhar, com menos dinheiro melhores resultados?

Podemos sem dúvida. Há um problema de gestão sério. Tenho falado muito com responsáveis do ensino em Portugal e verifico o quê? Verifico que começa a fazer caminho a ideia de que é necessário modificar a gestão tal como ela existe, pensar no que fazer com os professores com horário zero, redistribuir as escolas porque a demografia se alterou profundamente.

No próximo futuro o a questão essencial já não é a questão quantitativa. O problema é a qualidade e os apoios. Se temos professores com horário zero, ou temos professores com horário muito pequeno, naturalmente temos de dizer: "Meus senhores, têm de dar apoio aos outros professores". Isto é possível se responsabilizarmos as pessoas, se mecanismos modernos de gestão. Há muita coisa que temos que redefinir.

Outro exemplo: conhecendo a nossa produtividade e conhecendo a relação que existe entre salários e produtividade, temos de assumir que aumentar a produtividade é um problema de todos. Os empresários não estão de fora das necessidades de haver um país mais produtivo, pois são os principais responsáveis. Mas o Estado também tem de criar mecanismos novos, desde o ensino à reforma da administração pública. Se não mudarmos, o país mais uma vez não irá ao encontro daquilo que é preciso. Mas sem dramas, sem atitudes de "vencidos da vida".

Temos de Ter Uma Sociedade com Mais Compaixão, com Um Sentido da Solidariedade da Afectividade

Portugal é um país de boas leis, mas que não as cumpre. É mesmo um país de leis a mais. Por isso, o Presidente pensa que mais do que legislar, é necessário mudar hábitos e culturas, estimular a participação, valorizar os bons exemplos. E se o Estado não pode nem deve fazer tudo, então temos de "confrontar os portugueses com as suas responsabilidades sociais".

Uma das características dos seus mandatos foi a preocupação com a reforma do sistema político, mas passa a sensação de que acha que os problemas se resolvem só mexendo em leis, que este não é também um problema de atitude política. Em Portugal não sucede as pessoas, em vez de servirem o Estado, servirem-se do Estado?

Como jurista que sou, não tenho nenhum fetiche em torno das leis, acho até que Portugal tem leis a mais. É um país normativista que não fiscaliza as leis. De que me serve fazer uma lei se os costumes, se a prática, vão exactamente à sua revelia e ninguém fiscaliza? É preciso alguns exemplos. Eu queria ser agora provocador convosco, dentro da maior afectividade: A que é que vocês dão destaque? Ao temas ou ao fait-divers das listas do Porto? O rebutalho democrático tem a guarida das páginas do PÚBLICO, ou preferem antes o exemplar comportamento de certos cidadãos políticos? E quem fala de política, fala de educação, de saúde, por aí adiante. Quem conta a história da empregada da escola do Barreiro que eu conheci há dias - que veio aqui cantar as janeiras - e que é uma senhora que não tem horário, tem quase 70 anos, é bonita, que está na escola sempre, das oito da manhã às oito da noite? Esses exemplos é que interessava ver, dar a conhecer, abrir os espaços políticos a mais pessoas. Tenho feito muitas campanhas pelo país e tenho visto centenas de pessoas a ouvir aquilo que aparentemente não é muito atractivo, mas elas querem perceber. Veja que os ingleses afixam os projectos urbanísticos nos bairros e vão lá saber o que as pessoas pensam sobre aquilo.

Cá temos avisos, editais.

Avisos que a chuva faz desaparecer. Voltando ao assunto. Nós temos que abrir as universidades, ligar as universidades às empresas, trazer a ciência para a actualidade, temos que nos preocupar com o que os nossos filhos fazem na escola, não é para serem depositados às oito da manhã e recolhidos às seis da tarde. E porque é que as empresas não se preocupam com as escolas na sua região e no seu bairro? Porque é que não patrocinam um laboratório, uma biblioteca ou uma internet? Esta interacção é que é crucial para um país que quer ter dinâmica. Não podem ficar só a dizer: "Malandros, o Estado não funciona."

O Estado não dá às vezes maus sinais?

Com certeza que dá.

Um exemplo concreto: o Estado apoia com mais dinheiro uma família que tenha os seus velhos num lar do que uma família que trate os seu velhos em casa.

É verdade. Apesar de termos subido quatro vezes nos últimos cinco anos o número de apoios domiciliários, se me perguntar qual o caminho a seguir é claro que acho que é o apoio domiciliário. Se tenho que ter uma economia não isenta de preocupações sociais, também tenho que ter um social não isento de preocupações de economia, e tenho que valorizar as pessoas que ainda possam trabalhar, valorizar o seu habitat natural, valorizar novas formas de emprego, nomeadamente nesses apoios domiciliários.

Mas há também a mudança no tipo de família. Numa geração em Portugal desapareceu a família alargada...

Tenho pensado muito nisso. Quando discutimos a despesa pública e a despesa social, mas não discutimos ao mesmo nível a evasão fiscal nem a economia paralela, isso já denota um sentimento prevalecente que é, a meu ver, negativo na sociedade portuguesa. Discutimos imenso o rendimento mínimo garantido sem percebermos, por exemplo, que o nosso nível de despesa social comparativamente ao Europeu ainda é baixo e que existem, apesar da evolução positiva, muitos casos de necessário apoio social e de combate à exclusão.

Ao mesmo tempo temos de fazer uma coisa terrível, que é confrontar os portugueses com as suas responsabilidades sociais. É o exemplo que deu, que é bom. Nós não assumimos, em meu entender, as responsabilidades sociais que outros como nós assumem noutros países. A época do Natal e do Ano Novo, quando visitamos os hospitais, é terrível porque as pessoas foram deixadas ali ao abandono. Isso não acontece, por exemplo, em sociedade árabes, em que as pessoas vivem em comum. Foi uma vez uma lição que me deram na Tunísia.

E como fazemos isso?

Temos, para ter uma política sustentada de despesa pública com espaço para o apoio e a solidariedade social, de confrontar os portugueses com o baixo nível de solidariedade que ainda existe na sociedade. Porquê? Porque não há portugueses dispensáveis. Fico aterrado quando não entra na análise futura a necessidade de assegurarmos uma coesão social e nacional que é hoje absolutamente essencial para o tal processo reformista de que falámos.

Para reformar precisamos de não ter excluídos. Temos de ter uma sociedade com mais compaixão, não no sentido caritativo, mas no sentido da solidariedade da afectividade, da necessidade disto não ser tão individualista no pior sentido, mesmo sabendo que o individualismo é necessário do ponto de vista da dinâmica de correr riscos. Por isso vejo com prazer que há empresas que começam a ter a cidadania social desenvolvida, vejo crescer as redes de voluntariado, mas sei que há muito caminho por percorrer.

Quando tinha oito anos e estive nos Estados Unidos, o meu pai era bolseiro, as bolsas eram pequenas, era preciso fazer contas, mas nós tivemos a visita de várias pessoas do prédio a perguntar se precisávamos de ajuda. Eu na altura tocava piano, a senhora do mesmo andar tinha um piano que não tocava e empurrou o piano para nossa casa. Esta solidariedade da proximidade é necessária em Portugal.

É Necessário Caminhar para o Financiamento Público dos Partidos Claro e Cada Vez Mais Forte

Jorge Sampaio não se pronuncia sobre a dimensão ideal de um Governo, mas quer prestigiar e promover os mais dedicados funcionários do Estados. Talvez os funcionários não necessitassem se "ser tantos", mas o importante era ser capaz de premiar o mérito. Quanto às alterações à lei de financiamento dos partidos, acha-a insuficiente: na sua opinião, que sabe impopular, o financiamento devia ser público porque "a actividade dos partidos é crucial" em democracia.

Concorda com alguns dos líderes partidários, que defendem Governos mais pequenos?

Sobre isso não devo pronunciar-me. O que acho crucial é que tenhamos uma administração pública moderna e capaz de incorporar os mecanismos da sociedade de informação, de ser prestigiada e de ter carreiras prestigiadas. Esta é uma tarefa que me preocupa muito a vários níveis. Primeiro, porque é preciso não afundar a função pública. Temos de olhar para a função pública e dar-lhe mais condições de dignidade e até de remuneração. Não precisam, naturalmente, é de ser tantos. E não pode haver a mais completa ausência de avaliação e de competitividade interna. As pessoas têm que ser avaliadas; quando falamos de cultura de responsabilidade temos também de falar em cultura de avaliação.

Isso implica uma prática de diferenciação, designadamente salarial?

Não percebo porque é que as pessoas têm de ser galardoadas todas da mesma maneira se a sua capacidade, tendo igualdade de oportunidades, é diferente. O mérito vem do desempenho, da realização dos objectivos e se tivermos uma administração pública - mas também privada - motivada, não vilipendiada, despida desta cultura burocrática profundamente normativista que não se preocupa com o que efectivamente se passa e se preocupa apenas com o texto legal, então estaremos no bom caminho.

Pensa que as novas normas de financiamento dos partidos resolveram o problema?

Não, não penso. Foram um progresso, mas creio firmemente que temos de caminhar - custa muito dizê-lo, não é popular - para um financiamento público claro cada vez mais forte e para uma fiscalização das receitas e dos gastos muito mais rigorosa.

Embora já haja sinais de contenção.

Tenho dúvidas. Nesta campanha houve um proliferar de out-doors gigantescos, carpimos. Se nós achamos que precisamos de esclarecimento para que a democracia seja forte, então o esclarecimento eleitoral é fundamental, a actividade dos partidos é crucial. Isso deve ser um gasto público, quase de investimento na nossa própria sociedade. Portanto, financiamento público acrescido, um grande controlo dos gastos. À medida que a sociedade for mais esclarecida, com os órgão de comunicação social a desempenharem um papel pedagógico, vamos passar a ter menos folclore.

Tudo isto está muito ligado com a necessidade de transparência na vida administrativa, na vida pública, na relação entre o privado e o público. Eu deixei de falar de corrupção, porque eu nunca vi ninguém provar corrupção nenhuma, a não ser três ou quatro casos meditámos, mas temos de assumir uma dimensão nacional anti-corrupção - e para isso temos que blindar as campanhas eleitorais e ter uma ferocíssima capacidade de avaliação dos gastos e daquilo que se faz. Temos de ter claramente uma separação entre aquilo que são resultados da vida administrativa e aquilo que são as vicissitudes de cada grupo económico. Temos que ter um Estado fortemente regulador com a sua função de dinamizador social, muitas vezes assumindo também riscos económicos, embora nada substitua a iniciativa privada.

É Preciso Que a Chamada Construção Civil Perceba Que Há Poder Político no País

Antigo autarca, Jorge Sampaio preocupa-se com a degradação das nossas paisagens urbanas e rurais, sugere a urgente revisão de muitos PDM e, sobretudo, ataca o estilo de gestão autárquico casuístico e sem regras intelegíveis. "Quando os intervenientes privados percebem que existe um poder político forte, com ideias, princípios, valores e capacidade de decisão", disse-nos, sabem conversar e respeitar as regras do jogo.

Tem andado pelo país, como acha que está cuidada a nossa paisagem?

Às vezes o pior é o pequeno detalhe. Não vejo o cidadão urbano português, como vejo noutras grandes cidades, cuidar do seu bocadinho de passeio. Lembro-me que quando era jovem, os jardins no meio dos blocos na Grã-Bretanha eram as pessoas que iam cuidar deles. Nós aqui consideramos isso uma ofensa, achamos que é com os "almeidas". É um mundo de separação. Assim não nos podemos queixar que a burocracia suba, pois o cidadão comum não dá o menor contributo.

Há porém um facto novo que é de saudar: o aparecimento de cidades médias com significado. Aquilo que se passa em torno de Vila Real, Castelo Branco, Viseu com uma coroa de cidades pequenas à volta, com capacidades de ensino, tecnológicas, é uma nova atitude urbana. O caminho tem que ser esse e temos de recuperar a paisagem, perceber que não é tudo para betonizar, não é tudo para cimentar, não é tudo para fazer mais casas.

25 anos passados sobre a criação do poder local democrático, não deveriam ser criadas formas mais operativas da fiscalização do exercício dos mandatos autárquicos e das sua relações, por exemplo, com a construção civil?

O sistema é sempre susceptível de ser repensado. Ainda ontem à noite abri o "El Pais" e verifiquei que está em discussão em Espanha uma reforma autárquica, sem dramas. Para mim era, por exemplo, importante revigorar as assembleias municipais.

Concorda com os executivos camarários monocolores, só do partido vencedor?

Por aí não entro, desculpe lá. Eu não me dei nada mal com a presença da oposição no executivo, sinceramente. Eram pessoas interessantes, dinâmicas, conseguiu-se construir uma plataforma de renovação, de "movida" patriótica e urbana, como eu lhe chamava na altura, e acho que a oposição foi muito útil. Houve tanta coisa aprovada por unanimidade, por maiorias fortes... É evidente que é mais lento. Acho também que precisamos de uma assembleia municipal mais activa, com capacidade de fiscalização, e que ganhamos em ter executivos não imunes à critica e ao acompanhamento do que fazem, mas com maior eficácia.

Também é possível desburocratizar muita coisa no processo urbanístico, e sobretudo é preciso que a chamada construção civil perceba que há poder político no país. Fazê-la sentir que os seus critérios não são os dominantes, mas sim os do poder político democrático. Se isso for claro, não for casuístico e for plasmado em regras intelegíveis, sei que é perfeitamente possível um diálogo sereno, transparente e realista. Se tudo estiver dependente do casuísmo então o convite à valsa é gigantesco. Quando os intervenientes privados percebem que existe um poder político forte, com ideias, princípios, valores e capacidade de decisão, quando cada um assume a sua função, conversa-se com o ar mais calmo possível. Se não for assim, se a confusão dos planos for uma espécie de "camaraderie", então é a democracia que não consegue impor-se.

Se aplicássemos todos os PDM e planos de urbanização que estão aprovados duplicávamos a construção no país. Assim, existe uma margem enorme para o casuísmo.

Os PDM têm que ser revistos, é esta a altura, estamos a chegar ao fim da primeira década da sua aplicação. Os planos têm de ser maleavelmente entendidos, agora sem uma orientação estratégica de planeamento urbano isto é o caos.

Aborto: a Leveza das Condenações Foi Um Importante Sinal

As posições do cidadão Jorge Sampaio sobre a despenalização do aborto são conhecidas - mas não foi sobre isso que nos falou. A propósito do julgamento da Maia elogiou a leveza da sentença e sugeriu que, mais do que fazer regressar a batalha ideológica, é importante dar pequenos passos para ir diagnosticando, tratando e resolvendo "um problema social e de direitos humanos". Só depois se deveria regressar ao processo legislativo e, se necessário, voltar a fazer um referendo.

Como viu o facto de um grupo de mulheres serem julgadas por terem praticado aborto?

O melhor sinal que o julgamento da Maia nos deu foi dado pelos senhores juízes.

Houve condenações.

No contexto da lei aplicável não poderia deixar de acontecer. Mas a leveza das condenações é um primeiro sinal, porque os juízes muitas vezes reproduzem aquilo que lhes parece ser o sentimento prevalecente na sociedade. O outro aspecto crucial é que mais uma vez se revelou uma face escondida da sociedade portuguesa, impondo-se que sobre ela se faça mais luz. Se mantivermos apenas o lado emotivo nesta matéria não vamos muito longe, e é por isso que esse julgamento pode servir de estímulo para um aprofundamento sério deste tema na sociedade portuguesa.

O que é que se fez desde o referendo? Não se fez nada, que eu saiba, não se fez verdadeiramente nada. Perderam-se mais anos, introduziram-se rupturas superficiais e não se foi ao âmago da questão. Portanto, é preciso a montante fazer muitas coisas que podem ser feitas e não foram: consultas de planeamento e por aí fora. E é preciso começar a discutir seriamente a evolução que este tema pode ter na sociedade portuguesa, sem reavivar a profunda divisão ideológica mas pensando mais uma vez nas mulheres. Um dia, não sei quando, teremos de voltar ao processo legislativo e por ventura a um referendo. Embora eu ache que esta matéria não é uma matéria de essência para um referendo.

Mas depois de ter sido feito um referendo, não acha que é preciso repetir?

Não. Neste momento é preciso um processo profundo de esclarecimento sem coisas escondidas, sem hipocrisia. Toda a gente sabe o que se passa, vamos lá ver, então, o que se passa. Todos sabem quem vai a Espanha, a Inglaterra. Vamos lá trazer isto calmamente ao de cima, até porque as coisas foram evoluindo. Mesmo os partidários da não interrupção consideram hoje que há mais problemas sociais do que havia. Portanto, há todo um processo que não pode ser tratado a machado, por que isso imediatamente faria refluxo e levaria as pessoas para as barricadas - dos dois lados -, mas antes com uma atitude adulta sobre um problema social grave e um problema de direitos humanos grave. Vamos ver se se consegue tratar isto evolutivamente, de uma forma capaz. Não se deve começar pelo processo legislativo, mas deve-se eventualmente acabar aí. E até lá ir avançando, vendo o que é que os serviços médicos têm a dizer, o que está a acontecer, que recusas é que há, quais os casos que mereciam outro tratamento, e por aí adiante. Não façamos disto um debate ideológico, se não está perdido ao fim de dois minutos, já que aí todas as posições são legítimas. A minha posição não interessa, é conhecida, mas como Presidente da República falo um apelo à não divisão, à não predominância de uns valores sobre os outros, ao tratamento social, científico, pessoal, dos que sofrem. Isso é que é crucial.

Teve um grande protagonismo no combate à sida, mas parece ter andado a pregar no deserto se olharmos para os números, que continuam a aumentar. Este é mais um dos assuntos que o país continua a ignorar?

Sim, o país ignora bastante. Tal como na toxicodependência, houve muitos anos de ignorância, mas deu-se um salto qualitativo brutal. Mas fiquei surpreendido por ter sido o único chefe de Estado europeu que estava na Assembleia Geral Especial das Nações Unidas sobre a sida.

Nestes temas só se ganha se os fizermos temas de todos os dias, temas da nossa vizinhança, mas também temas de civilização. Mas como dizia o senhor embaixador Holbrooke, "como é que se pode dar luta a uma coisa que quem tem, esconde, com medo de ser segregado?" Este dilema é terrível.

Concorda com rastreios obrigatórios?

Isso tem de ser pessoal, mas temos que levar as pessoas a rastrear-se voluntariamente, o que é uma coisa diferente.

Portugal Tem de Dizer Que Forças Armadas Quer Ter

Para que o "lamentável" - palavras de Jorge Sampaio - episódio da LPM não se repita, é necessário que o mundo político diga o que quer das Forças Armadas. Deverá fazê-lo no quadro dos compromissos históricos, mas também de uma Europa que, se quer ter moral para criticar os Estados Unidos, deve ela própria ser capaz de investir coerentemente na sua Defesa.

Já disse nesta entrevista que o processo da Lei de Programação Militar tinha sido irrepetível e lamentável...

Não era difícil ter chegado a um acordo. Não estou a criticar ninguém, não é o momento para isso, mas devemos fazer tudo para que haja acordos em questões como essa.

O que é que é necessário fazer? Existe um mal estar evidente nas FA...

O que tem acontecido - e isto é uma crítica - é que a dispersão dos pontos de vista militares decorre de não haver, por parte do mundo político, clareza nas opções que têm de ser tomadas. Os militares são dos mais disciplinados servidores públicos do país e dos mais dedicados. Eu hoje tenho a maior consideração pelos militares portugueses. Mas enquanto a AR, Governo e oposição não fizerem o seu trabalhinho e não disserem por onde querem ir, toda a discussão será sempre uma coisa de caserna.

Mas aqui há pelo menos dois problemas que se colocam. Por um lado, diz-se que as Forças geram gastos que não são muito úteis; por outro lado recorda-se o quadro europeu, onde o investimento na Defesa não tem proporção com o dos Estados Unidos...

Quanto à segunda parte de acordo. Os orçamentos na Europa não podem minguar, têm de ser orçamentos a crescer dentro das disponibilidades.

O discurso habitual é ao contrário.

Mas não pode ser. Não podemos andar a criticar os Estados Unidos às segundas, quartas e sextas e às terças, quintas e sábados diminuirmos os orçamentos de Defesa e seremos incapazes de ter uma indústria de defesa harmonizada ao nível europeu. Há aqui uma afirmação europeia que é necessária. No caso português isso também se aplica, mas ao mesmo tempo é preciso responder muito claramente a duas perguntas. Que Forças Armadas? Para fazerem o quê? Estas questões têm de ser resolvidas tendo em conta as funções da soberania, da projecção da política externa portuguesa e o sistema de forças que precisamos para cumprir aqueles objectivos.

O referencial europeu tem de ser o referencial central na definição da política de Defesa portuguesa?

Tem de ser um o referencial decisivo, mas não pode excluir outros. Não podemos perder de vista a NATO, que tem de encontrar novos objectivos e novas funções, nomeadamente no relacionamento com a Rússia. Portugal tem também que saber articular a dimensão europeia com os seus compromissos tradicionais.

O que eu contrário, e por isso disse o que disse sobre o "lamentável" - que não era dirigido a ninguém - é que esta é uma questão nacional por excelência, que não é partidarizável.