Veto à extensão do jogo no Parque Mayer

Palácio de Belém
08 de Novembro de 2002


COMUNICAÇÃO AO GOVERNO SOBRE O SENTIDO DA NÃO PROMULUGAÇÃO DO DECRETO REGISTADO NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS SOB O Nº. 188/2002


A autorização para a exploração de jogos de fortuna e azar num casino em Lisboa, no Parque Mayer, que o Governo pretende conceder através de acto legislativo, é uma decisão delicada que tem gerado alguma controvérsia.

Não cabendo, no plano em que a devemos considerar, quaisquer juízos de valor sobre o mérito da actividade em questão, importa reter que, pela rigidez e duração das suas consequências futuras, a decisão do Governo pressupõe uma avaliação ponderada das vantagens e inconvenientes que pode induzir no meio social onde produzirá efeitos. Não se podem esquecer, por outro lado, as inevitáveis repercussões que, pelo seu alcance, ela revistará para a regularidade da concorrência entre empresas do mesmo ramo de actividade ou de actividades afins ou para a igualdade de oportunidades de prossecução de fins por parte de autarquias que aspirem ou podem vir a aspirar ser objecto de decisões análogas por parte do poder político nacional.

Sem pôr em causa a legitimidade do Governo, enquanto órgão de condução da política geral do país e órgão superior da administração pública, para tomar uma decisão deste tipo, seria desejável que ela fosse precedida de um debate mais abrangente.

Há, ainda, necessidades decorrentes da preservação do interesse público e da autonomia das autarquias locais que o Presidente da República tem de atender e que aconselham, em meu entender, a não promulgação do diploma.

Com efeito, a promulgação deste decreto nos termos em que o Governo o aprovou teria como efeitos imediatos a constituição de direitos ou de expectativas legítimas na esfera jurídica da concessionária da zona de jogo em questão e de que esta, legitimamente, não abdicaria sem as correspondentes contrapartidas. Ora, a constituição desses direitos ou expectativas significaria, à partida, um grave condicionamento ou limitação da liberdade de decisão dos órgãos autárquicos com competência para decidir sobre os posteriores e necessários desenvolvimentos da autorização contida no decreto do Governo.

Nem o facto de a iniciativa legislativa do Governo ter tido origem numa proposta da Câmara Municipal de Lisboa responde a esta objecção. É que a recomposição da malha urbana implicada na autorização de exploração do casino no Parque Mayer pressupõe decisões que ainda não foram tomadas ou, sequer, debatidas pelos órgãos autárquicos.

Assim, a par da conveniência de uma ponderação e discussão mais abrangentes, há, também, um necessário debate prévio na autarquia de Lisboa que está, em grande medida, por fazer e cujo sentido e utilidade seriam fortemente desvirtuados em caso de promulgação do presente diploma governamental.

De resto, para além de outras iniciativas de participação local em desenvolvimento, a própria Assembleia Municipal aprovou, por unanimidade, uma moção em que solicitava à Câmara Municipal todos os elementos e projectos relacionados com a recuperação e reactivação do Parque Mayer e se dispunha a fazer a correspondente discussão e, mais recentemente, aprovou, por maioria, uma recomendação mais específica à Câmara Municipal que vai no mesmo sentido de assunção de uma intervenção decisória nesse domínio.

Ora, a promulgação do diploma em questão poderia, pelos seus efeitos jurídicos imediatos, condicionar ou reduzir, em grande medida, a margem de livre participação e decisão de municípios e órgãos autárquicos.

Assim sendo, quando se avalia a oportunidade, regularidade e adequação do presente processo legislativo, não podem deixar de ser tidos em conta o interesse público e o princípio constitucional da autonomia das autarquias locais, enquanto valores a que o Presidente da República não pode ser alheio. Um e outro aconselham a garantia das condições de viabilidade, da utilidade ou da continuação de um debate autárquico participado, livre, transparente e incondicionado.

Assim sendo, nos termos do artigo 134º, alínea b) e do artigo 136º, nº4 da Constituição, devolvo, sem promulgação, o decreto registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o nº 188/2002 que define as normas aplicáveis à extensão da zona de jogo do Estoril.

Lisboa, 8 de Novembro de 2002