Esta página pretende oferecer ao visitante do Palácio de Belém informação referente à história da utilização do palácio no período que medeia entre a sua construção e os nossos dias, bem como um historial da sua evolução arquitectónica.



PALÁCIO DE BELÉM EM LISBOA



O Palácio, hoje sede da Presidência da República Portuguesa, tem, atrás de si, uma longa história.

Trata-se de um conjunto arquitectónico e paisagístico onde avulta um edifício central de cinco corpos com frente para o rio Tejo.

A um primeiro palacete, para nascente do Pátio das Damas - o Anexo - segue-se, na viragem para a Calçada da Ajuda, outra construção - o Picadeiro Real, hoje Museu dos Coches. Para poente desenvolvem-se os conjuntos do Pátio dos Bichos, do pavilhão da Arrábida e do Jardim da Cascata. Na direcção do sul estende-se o Jardim Grande que termina num mirante cujo gradeamento prolongado para nascente e poente encontra dois pequenos pavilhões outrora designados "casas de recreação".

Localizado em Belém de Lisboa, palácio de reis e presidentes da República, chamado "das leoneiras" no século XVIII, parece ter como emblema o leão - símbolo solar que alia a Sabedoria ao Poder - representado além das jaulas, diante do sul, no Pátio dos Bichos, em, pelo menos, duas fontes e duas bicas.

Referências à sua história mais antiga começam a partir das navegações para a Índia, com o projecto de construção do Mosteiro dos Jerónimos e a posse das terras em redor pelos frades respectivos, nos séculos XV-XVI.

A atracção do mosteiro, a água fácil e a beleza do sítio explicam a construção pelo fidalgo D. Manuel de Portugal, em terras aforadas, já pelo meio do século XVI, de um palácio que, por herança indirecta, passará aos condes de Aveiras no século XVII e será comprado pelo rei D. João V na primeira metade do XVIII, compra que parece obedecer a um plano de posse duma vasta área a ocidente da capital onde a nata dos fidalgos se empenha em possuir quintas de recreio que miram o Tejo e o aproveitam como fonte de alegres lazeres. Diz a Gazeta de Lisboa (12 de Outubro de 1715) acerca da esposa de D. João V: "saiu a divertir-se nas faluas reais pelo Tejo abaixo [...]" até cerca do lugar de Belém.

Mas a primeira rainha que no Palácio de Belém habitou, entre 1700 e 1701, por gentileza dos condes de Aveiras, não cuidaria tanto de divertir-se, cansada de uma vida já vivida. Voltava de Inglaterra, esposa do falecido rei Carlos II, infanta de Portugal, D. Catarina de Bragança.

Casa e quinta para amores do rei D. João V diz a tradição que Belém foi.

Catástrofes viriam também - o terramoto e maremoto de 1755 que, por receio de repetição, fará morar em tendas, no Jardim Grande, por largos meses, a família real. Será a partir do Paço de Belém que o ministro de D. José I, o marquês de Pombal, tomará as primeiras medidas dirigidas a Lisboa.

Três anos mais tarde, D. José, no regresso de um encontro galante com uma senhora nobre, sofreu um atentado.

Presos e julgados, vários elementos da alta nobreza serão mortos no terreiro do Palácio de Belém, queimados e as cinzas atiradas ao Tejo. O poder do rei iria, assim, consolidar-se também com a saída dos Jesuítas pelo Cais de Pedra que servia o Palácio de Belém desde 1753.

Com D. Maria I fazem-se obras, passa a haver água encanada, constroem-se viveiros rococó para pássaros exóticos, no Jardim da Cascata, e a Corte dá festas com fogos nas noites de São João e São Pedro.

As cavalariças e as cocheiras de Belém são utilizadas embora a rainha viva na Ajuda e, em 1787, projecta-se um novo Picadeiro, sob o risco do italiano Giacomo Azzolini, por inspiração do futuro rei. Com frente para a Praça de Belém e a Calçada da Ajuda surge, assim, um palacete neo clássico com decoração rocaille (Museu dos Coches).

Chegava o século XIX. D. João era regente por doença incurável da rainha-mãe. Avizinhavam-se as invasões napoleónicas na sequência da Revolução Francesa.

Por segurança da Coroa, foi do cais do Palácio de Belém que a família real portuguesa transitou à colónia do Brasil.

Mas a beleza e a vida, no palácio, não desapareceram. Em 1817, as cavalariças, a oriente-norte, continuam a servir, há pássaros nos viveiros e feras nas jaulas.

Depois do regresso da realeza, no ano a seguir à revolução liberal, o Palácio de Belém anda na boca do povo, em 1826, atribuindo-se a morte de D. João VI a uma laranja envenenada que teria comido na quinta.

Em 1828, D. Miguel sai de Viena de Áustria, desembarca no Cais de Belém e porfia no absolutismo real até 1834.

Restaura o constitucionalismo seu irmão, o rei D. Pedro, antigo imperador do Brasil, que depressa morre dando lugar a D. Maria, a II. Enfrentará, esta, uma luta continuada entre os partidários da primeira Constituição (1822), e os defensores da Carta Constitucional (1826) que preserva mais o poder real. Um episódio relevante dessa luta, com alguma dimensão europeia, ocorre no Palácio de Belém entre a rainha que quer a Carta e maior poder da Coroa e o chefe, vintista, do Governo decorrente da revolução do 9 de Setembro de 1836 - Manuel da Silva Passos. A rainha cede. Foi a Belenzada.

A partir de 1839, D. Maria II escolherá Belém para os Bailes de Inverno da Corte. Contratam-se músicos, imprimem-se convites, entram móveis, molduras e sedas, encomendam-se flores para Queluz. Na baile de 11 de Janeiro de 1842, 722 velas iluminam o palácio.

No Verão recebem-se, em Belém, hóspedes estrangeiros: a rainha Adelaide Amélia, viúva de Guilherme IV de Inglaterra, o príncipe de Joinville, o Duque de Nemours e o de Aumales.

E entre 1842-1843 quando se restaura a Carta e Costa Cabral forma governo, do Palácio de Belém saem produtos (laranjas, feijão verde e hortaliças) para outros palácios reais - Queluz, Necessidades. Obras neste último trazem a família real para Belém durante dois anos (1844-1846). Aí nascerá D. Antónia, a quinta dos onze filhos da rainha e do rei consorte D. Fernando de Saxe Coburgo Gotha. Fazem-se pequenas obras no palácio para o baptizado.

Mudará, entretanto, o nome da antiga Praça de Belém para Praça D. Fernando.

De regresso ao Palácio das Necessidades, a rainha manda ampliar, em Belém, a Sala do Baile, na ala oriental, inaugurada em 15 de Fevereiro de 1852.

Com D. Pedro V, o rotativismo político funciona. O engenheiro Fontes Pereira de Melo assume o novo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. O caminho de ferro avança pelo país, em perspectiva de entendimento com a Europa mais industrializada.

Em 1860, a 12 de Setembro, o Palácio de Belém assiste à noite de núpcias de D. Antónia Maria que vira nascer quinze anos antes.
A infanta, acompanhada pelo marido, o príncipe Leopoldo de Hohenzolern, embarcará para Antuérpia no dia seguinte, na corveta Bartolomeu Dias comandada pelo irmão, D. Luís.

Mas a morte, ataviada de febres e de cólera, vai chegar ao Palácio de Belém em 1861. Vitima lá dois irmãos de D. Antónia Maria: D. Fernando e D. João.

O rei, D. Pedro V, a seguir à esposa, também não sobreviverá.

O povo fala em crimes políticos, agita-se na capital, manifesta-se em Belém. Correm boatos de fantasmas dos infantes nos jardins do Paço.

O monarca é, agora, D. Luís I. Casará em 1862 com uma filha do soberano futuro unificador da Itália, Vítor Emanuel. E não se sente atraído por Belém, onde só há-de frequentar o Picadeiro para ver como o coronel Vitor Machado doma os potros que o rei cavalgará.

O palácio vai ter iluminação a gás, desde 1864, abastecido pela Companhia Lisbonense, da especialidade. Não deixou de ser belo, tem um aspecto acolhedor e o sítio manteve-se aprazível no galgar dos séculos.

É o ideal para receber hóspedes que vêm do estrangeiro e se sucedem, nas décadas de 60 e 70, acompanhando vicissitudes das monarquias europeias, nos tempos conturbados de fim de século, como que esboçando a apetência republicana deste palácio.

Protegidos pela guarda do Regimento de Infantaria I estiveram em Belém o italiano duque de Aosta, cunhado do rei, os condes d'Eu e os duques de Nemours e Alençon, a rainha Isabel II de Espanha, o duque de Saxe Coburgo Gotha casado com a princesa Leopoldina do Brasil, o príncipe de Gales, Eduardo Alberto.

Naturalmente, Belém é local privilegiado de passeio para o lisboeta desses tempos. Às tardes, no largo, desfilam as modas que vêm de França. Vende-se rapé fresco junto ao Chafariz da Bola, Chão Salgado, a dois passos do palácio.

Os transportes públicos terrestres já servem aquela área: as carruagens de tracção animal da Companhia Omnibus, o carro a vapor que, nos fins-de-semana, leva muita gente às praias de Pedrouços e Algés. O comboio, inaugurado em 1890, do Cais do Sodré a Cascais, sobrepõe-se aos "vapores" do Tejo e leva de vencida o embarcadouro, arrasado pelo aterro que ampliou o largo fronteiriço ao palácio.

Em Belém vão morar, desde o seu casamento, em 1886, D. Carlos e D. Amélia de Orleães, herdeiros da Coroa.

Para os receber houve obras de remodelação em que colaboraram dois grandes nomes da pintura portuguesa: José Malhoa e Columbano.

A zona privada da residência, no edifício principal, situou-se na ala a oriente.

Na Sala Azul, comunicante com o quarto de D. Amélia, pintaram-se no tecto apainelado os escudos de Bragança e Orleães. A antiga Sala do Relógio foi compartimentada resultando o gabinete de trabalho de D. Carlos e o seu quarto de dormir, junto do da esposa.

Partes comuns, outros salões do andar nobre foram destinados a recepções - Sala D. João V e Sala Dourada. A Sala das Bicas continuou como átrio de entrada, junto da Sala de Jantar e da pequena casa dos aparadores.

Numa viagem pela Europa, seduzida, ao tempo, pela partilha de territórios coloniais, D. Carlos e D. Amélia compraram roupas novas para o palácio.

Os dois filhos do casal vão nascer em Belém: D. Luís Filipe (1887) e D. Manuel (1889), que vem ao mundo um ano antes do Ultimato Inglês acerca das terras do Mapa Cor-de-Rosa.

À morte de D. Luís (1889) o Palácio de Belém vocaciona-se exclusivamente para receber visitas. Primeiro, o conde de Paris e o filho, o duque de Orleães.

Na intenção de albergar as comitivas dos hóspedes vão ser demolidas as construções entre o edifício principal e o picadeiro dando origem, em 1902-1903, ao palacete projectado por Rosendo Carvalheira - o Anexo - que recebeu a comitiva do rei Afonso XIII de Espanha depois de equipado com candeeiros alemães e móveis londrinos da Casa Maple. No sótão, destinado aos criados, ficaram peças de A Económica, do Porto.

O carro eléctrico já circula em Belém desde 1901. A estátua na praça, agora Afonso de Albuquerque, foi colocada lá nesse ano.

Em 1903 Belém continua a aderir aos progressos da técnica e instalam-se telefones no palácio onde os hóspedes notáveis desfilam e dormem no antigo quarto de D. Amélia. Incluem-se o imperador da Alemanha Guilherme II, o rei de Inglaterra Eduardo VII e o presidente francês Émile Loubet.

Em 1905, a área do palácio sofre cortes a favor do Estado. O picadeiro torna-se Museu dos Coches por iniciativa de D. Amélia, para conservar, no surto dos transportes novos, um rico património em que se contam, além das carruagens, peças variadas desde arreios e selas até instrumentos musicais da Charamela Real.

Na mesma altura foram cedidas ao Exército para quartéis as cavalariças que, na Calçada da Ajuda, continuavam o Picadeiro Real.

No País, a propaganda e a projecção dos republicanos vai em aumento desde os fins do século XIX.

A instável situação financeira acentuada por crises internacionais contribui para afectar o rotativismo dos partidos monárquicos, enquanto o Partido Republicano Português avulta pela voz do tribuno Afonso Costa.

D. Carlos vai aceitar a formação de um governo ditatorial - o de João Franco o que concorrerá para o regicídio, que vitimou também o príncipe herdeiro, em 1 de Fevereiro de 1908.

O rei de Portugal, D. Manuel II, tem 19 anos. A sua família mais próxima além do tio, D. Afonso, é a mãe e a avó, D. Maria Pia de Sabóia.

A revolução republicana aproxima-se mais e mais.

No Palácio de Belém, convertido em palácio de hóspedes, oficialmente desde 1908, decorre, na noite de 3 de Outubro de 1910, um banquete oferecido pelo Presidente da República do Brasil, marechal Hermes da Fonseca. Está presente o rei, alguns ministros, representantes do corpo diplomático, o comandante da Divisão de Lisboa e o das Guardas Municipais.

É o último banquete sob a égide da Monarquia. No dia 4 de Outubro a família real seguirá para o palácio - convento de Mafra deixando o país, 24 horas depois, no iate "Amélia", pela Ericeira, rumo a Gibraltar.

O Palácio de Belém vai entrar em sintonia com os novos tempos e assumirá o carácter oficial de sede da soberania do Estado.

Proclamada a República, da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, a 5 de Outubro de 1910, sairá na Ilustração Portuguesa de 24 do mesmo mês, uma entrevista ao chefe de Governo Provisório, realizada na sala do Conselho de Estado do Palácio de Belém, por Rocha Martins. O Dr. Teófilo Braga, interrogado acerca do futuro diz: "Existirá um palácio como a Casa Branca da América do Norte e ali irá o presidente que terá a sua residência particular[...]". "Temos muita coisa para resolver[...]", "somos do povo e como ele devemos viver!".

Teófilo Braga é, assim, a primeira personalidade da chefia da República a utilizar a Casa de Belém. Para assinar documentos e aí receber individualidades mais ou menos destacadas. O poeta Guerra Junqueiro, por exemplo, foi lá abordar o assunto da bandeira representativa da jovem República.

Dez meses passados, eleito ao terceiro escrutínio pelo órgão legislativo - Congresso da República -, toma posse o advogado açoreano Manuel de Arriaga.

Será o 1.º Presidente, mas só em 1912, a habitar - a seu pedido e por razões de funcionalidade - instalações do palácio: o 1.º andar do palacete anexo.

Pagava 100 escudos pelo aluguer e verificava todos os dias a contradição entre a prática das decisões dos políticos, ratificadas em Belém, e os amplos poderes que a Constituição de 1911 lhe atribuíra. Já no Palácio de Belém festejou, em Setembro, o casamento da filha mais nova, Maria Adelaide, com o Dr. Daniel Ferreira Júnior.

Quando o Partido Republicano se cindia (1912) dando origem ao Partido Democrático liderado por Afonso Costa, ao Evolucionista de António José de Almeida e ao Unionista de Brito Camacho também a área do Palácio de Belém se via truncada: o terreno da quinta foi cedido ao Jardim Colonial, criado em 1906.

Manuel de Arriaga assinava ainda a cedência do Palácio do Pátio das Vacas, onde funcionavam serviços, e das antigas cozinhas para ampliação do Museu dos Coches, na direcção da Calçada da Ajuda. Os banquetes que o Presidente ofereceu nesse ano, entre eles o do aniversário da proclamação da República, foram cozinhados no pavilhão do lado poente, designado por Arrábida, a construção mais antiga do conjunto (outrora hospício de franciscanos arrábidos) onde, por obras de 1887, se acrescentara um andar bem iluminado, com fogão para aquecimento - o atelier onde D. Carlos e D. Amélia pintavam em 1886-1889.

Com as transformações de 1912 o Palácio de Belém deixava de estar integrado no espaço próprio de uma quinta de recreio.

À queda do Presidente Manuel de Arriaga pela revolução de 14 de Maio de 1915, passa de novo pelo Palácio de Belém, durante quatro meses, o Dr. Teófilo Braga.

Bernardino Machado, um Presidente de olhos expressivos e sobrancelhas carregadas, cumprimentador, ao contrário dos antecessores, gosta da ideia de viver em Belém e muda-se para o 1.º andar do Anexo. Transforma o palácio num centro social, entrega a política a Afonso Costa, dá muitas festas e gasta sem conta.

Durante o seu mandato, 1916, a antiga área de serviços, no Palácio do Pátio das Vacas, dá lugar ao Museu Agrícola Colonial no jardim do mesmo nome.

Em 1917 vão portugueses à Grande Guerra, há aparições em Fátima, a vida encarece, a agitação social aumenta.

Sidónio Pais, eleito Presidente em Janeiro de 1918 na sequência dum acto revolucionário, traz à República uma nova perspectiva, a da predominância do executivo. Vive também algum tempo no Palácio de Belém, por razões de segurança, até ao atentado que o vitimou, na Estação do Rossio, em 14 de Dezembro de 1918.

Será embalsamado no seu quarto do Anexo e exposto ao público na área oficial do Palácio de Belém, na Sala Luís XV, hoje Sala Azul onde brilha um lustre, peça única, encimado por grandiosa águia bicéfala coroada, rematado ao centro por uma coroa maior, oferecido a D. Carlos pelo imperador Francisco José da Áustria. Foi esta a sala particular de D. Amélia em 1886-1889.

O Presidente da República que se segue é monárquico: o contra-almirante Canto e Castro. A agitação não pára. Mas o Presidente sairá bem visto pelos republicanos tendo habitado, sem a família, o Palácio de Belém, por um curto período. Dará lugar, ainda em 1919, a António José de Almeida, o primeiro a cumprir integralmente o mandato, até 1923, sem nunca viver em Belém onde se desloca duas vezes por semana nas funções oficiais. Recebe aí o rei da Bélgica e o príncipe do Mónaco.

A década de 20 é de crise por todo o lado e Portugal não escapa. Teixeira Gomes, embaixador de Portugal em Londres, vai ser o novo Presidente. É servido em Belém, onde reside, pelo seu cozinheiro inglês, veste como um aristocrata, passeia no Rolls-Royce oficial. Mas a instabilidade que se vivia levou-o a resignar abandonando para sempre o país (17 de Dezembro de 1925). A completar o mandato vem de novo Bernardino Machado que se dividirá, agora, entre o Palácio de Belém e a casa da Cruz Quebrada onde mora a família. A ela regressará em 31 de Maio de 1926 depois de ter escrito no Palácio de Belém, a carta de resignação que entrega o poder do Estado ao oficial de Marinha Mendes Cabeçadas representante das forças armadas insurrectas.

Mendes Cabeçadas será ultrapassado pelo general Gomes da Costa, que encarna forças da direita. Instala-se em Belém, no mês de Junho, com toda a família incluindo os netos pequenos. O palácio assume um aspecto de profunda desordem. Em 11 de Julho, o general, compelido a embarcar no Carvalho Araújo para os Açores, deixa em seu lugar, designado pelo Quartel-General, Óscar de Fragoso Carmona que nunca habitou o Palácio de Belém, depois de investido no cargo de Presidente da República em Abril de 1928, 12 dias antes da posse do ministro das Finanças - Salazar.

Em 1929 espera-se a retribuição, pelo rei Afonso XIII, de uma visita oficial a Espanha. O monarca ficaria hospedado (não chegou a vir) no Palácio de Belém que, por isso, assistirá a uma campanha de obras na área do antigo quarto de D. Amélia, contíguo à actual Sala Azul, dirigida pelos arquitectos irmãos Rebello de Andrade. Adaptar-se-á o pequeno gabinete anexo a casa de banho, forrada de mármore negro, e desaparecerão talhas de Vítor Bastos e pinturas de Malhoa e Columbano realizadas antes do casamento de D. Carlos.

Ensaia-se entretanto o modelo do Estado Novo, com o Dr. Salazar na chefia do Governo desde 1932. Um conjunto de direitos cívicos e humanos será suprimido em favor de uma política de obras públicas enquanto o desenvolvimento da economia fica associado ao controlo governamental. O chefe de Estado, segundo a Constituição de 1933, pouco mais terá que fazer internamente do que presidir a cerimónias oficiais. No exterior, representa o país. O general Carmona só vai a Belém despachar e nos dias de Ano Novo recebe cumprimentos na Sala Azul.

O cariz nacionalista e colonialista do Estado Novo expressar-se-á na Exposição do Mundo Português, entre Belém e Pedrouços, a partir de 23 de Junho de 1940, destinada a comemorar um duplo centenário: a Fundação de Portugal (1140) e a Restauração de Portugal (1640).

Na antiga Quinta do Outeiro das Vinhas, agora Jardim Colonial, funcionou a Secção Colonial da Exposição figurando aí paisagens naturais e humanas e etnografia das colónias africanas e asiáticas.

Por essa altura, o Palácio de Belém terá um hóspede ilustre, o duque de Kent, filho mais novo e representante do rei inglês Jorge V que ocupará o quarto, destinado a Afonso XIII, onde tinham passado a realizar-se as sessões do Conselho de Estado.

A vitória das democracias, no fim da II Grande Guerra, trouxe a primeira crise do regime salazarista com a criação do Movimento de Unidade Democrática que, integrando a oposição de várias expressões e tendências políticas, conduziu, em 1949, à candidatura abortada do General Norton de Matos e à recondução do General Carmona que ao morrer, em 1951, tinha ocupado a Presidência durante um quarto de século.

Francisco Craveiro Lopes será aconselhado por Salazar a estabelecer residência no Palácio de Belém - Pavilhão da Arrábida - até aí ocupado pela Casa Civil, já que no Anexo se haviam instalado os serviços da Casa Militar do chefe de Estado.

Todos os domingos, pela manhã, a partir de 1952 (depois das obras) o presidente do Conselho e o Presidente da República têm encontro marcado em Belém, onde se respira agora uma vivência familiar.

Diz-se a uma certa altura, que o Presidente é simpatizante do ministro da Presidência, Marcelo Caetano, de tendência liberal. Não será, por isso, reeleito. A esposa morre-lhe no Palácio de Belém em 1958 e das eleições desse ano emergirá o contra-almirante Américo Tomás depois de forte campanha oposicionista em que se destaca a candidatura do general Humberto Delgado, recém-chegado de Washington onde permanecera cinco anos como adido militar e aeronáutico.

A residência, que continua no Pavilhão da Arrábida, será utilizada pelo Presidente para recepções íntimas ou simplesmente para mudar de fato. Na Sala de Jantar oficial do palácio, junto à Sala das Bicas, haverá almoços e jantares para gente diversa desde professores a artistas.

Chega a década de 60 com o início da guerra que marcará a derrocada do Império, a crise académica de 1962, a impaciência de empresários, contestações de católicos à hierarquia personificada no cardeal Cerejeira, amigo pessoal do presidente do Conselho e a queda deste, no Forte de Santo António - Estoril, de uma cadeira de lona que se parte e marca o fim duma carreira política oficial de 40 anos.

Marcelo Caetano é o novo chefe do Governo, a agitação continua atingindo agora os quartéis e em especial os capitães. Mas também generais da chefia do Estado-Maior: Costa Gomes e Spínola.

O segundo propõe em Fevereiro de 1974, no livro "Portugal e o Futuro", uma federação de estados dada a impossibilidade de uma solução militar para a guerra colonial.

Américo Tomás não voltará ao Palácio de Belém depois de 24 de Abril desse ano e no dia 27 segue para o Funchal com o ex-presidente do Conselho que no dia 25, à tarde, no Quartel do Carmo, entregará o poder ao general Spínola, depois de, durante a madrugada, várias unidades do exército e da marinha terem ocupado, sem resistência, em Lisboa, a rádio, a televisão e alguns ministérios. O Palácio de Belém, terá na sequência da "Revolução dos Cravos" (25 de Abril de 1974) um grande papel a desempenhar.

No dia 15 de Maio de 1974, é o general Spínola designado Presidente da República pelo poder instituído - a Junta Militar.

O Palácio de Belém torna-se o centro das atenções, alberga soldados armados, dá lugar a reuniões e audiências, simples curiosos vêm até ao Pátio das Damas, subindo, a partir da Praça Afonso Albuquerque, a rampa a nascente.

A situação política torna-se confusa como é próprio dos momentos da revolução. A direita e a esquerda convergem para o Palácio de Belém no dia 28 de Setembro de 1974.

A partir daí desencontros de opinião que envolvem a Junta de Salvação, a Comissão Coordenadora do MFA e o Presidente da República conduzirão este último à Sala do Conselho de Estado, para ler, mediaticamente, o discurso de renúncia ao cargo.

Nessa mesma sala tomará posse Costa Gomes que no palácio vai morar com a mulher e um filho, enquanto Vasco Gonçalves chefia o Governo.

As eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975, trarão a vitória aos moderados.

As colónias africanas da Guiné, Cabo Verde, Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe deixarão de ter administração portuguesa.

Na Ásia, Timor será ocupada pela Indonésia.

Neste tempo, manifestações variadas acorrem ao exterior do Palácio de Belém e há gente acampada, comendo e dormindo no largo fronteiriço, aliás espaço de feira entre 1892 e 1907.

O Presidente, segundo a tradição da Casa, recebia os manifestantes ao gradeamento do mirante, onde acaba o Jardim do Buxo ou Jardim Grande, que tem hoje a poente, a Casa da Guarda e o Pátio das Equipagens e já existia em vida dos dois primeiros proprietários do palácio: D. Manuel de Portugal e o conde de Aveiras, D. João da Silva Telo de Meneses.

Em 27 de Junho de 1976, Ramalho Eanes, coordenador da acção militar em 1975, depois chefe do Estado-Maior do Exército, será eleito Presidente da República. Continua a viver na sua casa do Bairro Madre de Deus donde, por razões de eficácia política, se mudará para o Pavilhão da Arrábida, objecto de obras e remodelações. Vêm móveis do Palácio da Ajuda, da Cidadela de Cascais e quadros de museus escolhidos, oficialmente, pela esposa do Presidente, Dr.ª Manuela Eanes, para conferir à residência oficial o aspecto do lar duma família, onde não faltam as flores provenientes do Jardim Colonial agora designado do Ultramar.

O filho mais novo do casal, Miguel, será baptizado na capela, atrás da Sala Dourada, como D. Luís Filipe e o irmão, D. Manuel, último rei de Portugal.

Na área oficial far-se-ão pequenas modificações a começar pelo gabinete de trabalho do Presidente que muda para a antiga Sala do Conselho de Estado, sobre o Pátio das Damas.

Em 1980, a Sala de Jantar, não utilizada, transforma-se no Museu da Presidência expondo-se aí os presentes oferecidos ao Presidente da República, por chefes de Estado, em visitas oficiais.

Durante os dois mandatos o Presidente sai, nos fins-de-semana pelo País, ou vai correr, por vezes aos domingos, acompanhado pela família na antiga quinta do palácio, o Jardim do Ultramar.

Mercê dos acontecimentos políticos não sai de Belém durante as férias.

No segundo mandato passa a funcionar como garagem um armazém do Exército atrás do Pátio das Damas, a Sala de Jantar oficial do palácio retoma as antigas funções, o Museu da Presidência transitará para outro local do edifício e constrói-se uma galeria, à esquerda de quem entra na Sala das Bicas, destinada a albergar os retratos dos presidentes, iniciados por Columbano e continuados por diferentes pintores. Antes podiam ver-se na Sala Império ou Sala D. João V (Sala dos Retratos ou dos Presidentes).

Em 1986, à segunda volta, é o Dr. Mário Soares que ganha as eleições presidenciais.

Com uma longa história de luta política, desde 1946, regressa do exílio em França, em 28 de Abril de 1974, participa em vários governos, antes e depois de formar o I Governo Constitucional integrando, entretanto, o processo de independência das colónias e a adesão à Comunidade Económica Europeia.

Vai ser o primeiro civil depois de 60 anos de presidentes da República militares. Nunca habitará a residência de Belém onde exerce funções inerentes ao cargo e as projecta para as "presidências abertas" pelo país.

A residência permanecerá como no tempo do general Eanes mas a zona paisagística altera-se. Abrem-se passagens no Jardim das Tileiras para o Pátio dos Bichos e para o Jardim do Ultramar. O Jardim da Cascata foi palco de actividades culturais.

A partir de 14 de Janeiro de 1996, eleito Presidente da República, à primeira volta, o Dr. Jorge Sampaio entra, por sua vez, na continuidade da história do Palácio de Belém.

O seu passado, desde os tempos de intervenção académica (1959-1962), revela uma intensa luta política inteligentemente conduzida, dentro do país, e muito centrada na defesa dos direitos fundamentais nomeadamente o da liberdade de expressão.

A actividade desenvolvida projecta-o internacionalmente como embaixador extraordinário à Assembleia Geral da ONU (1974), secretário de Estado da Cooperação Externa (1975), primeiro membro português da Comissão dos Direitos do Homem do Conselho da Europa (entre 1979-1984). No decurso dos dois mandatos à frente da Câmara Municipal de Lisboa (1989-1995) preside também a organizações referentes às Cidades Capitais de Língua Portuguesa, Ibero-Americanas, Eurocidades e Federação Mundial das Cidades Unidas.

Como Presidente da República continua a habitar a sua casa seguindo uma tradição preconizada por Teófilo Braga.

Vai a Belém, todos os dias, onde exerce funções constitucionais no gabinete, a seguir à Sala Azul.

É também, no palácio que recebe os chefes de Estado, o Corpo Diplomático e outras entidades estrangeiras, as individualidades políticas nacionais e os representantes da sociedade civil.

No âmbito do relacionamento institucional com o Governo recebe, à quinta-feira, o Primeiro-Ministro.

O palácio ganhou um terceiro acesso à Sala do Conselho de Estado a bem da operacionalidade das recepções e audiências acima referidas.

Obras de restauro e beneficiação foram feitas no palacete anexo hoje sede da Casa Civil, Casa Militar e Serviços da Presidência da República, criados progressivamente a partir de 1911.

Obter maior funcionalidade nos espaços e informatizar os serviços no palácio determinaram as obras efectuadas.

O acesso ao público foi, também, implementado com as exposições alusivas ao Natal, na quadra respectiva, em 1996 e 1997, e com a autorização para visitas quando não decorrem actividades oficiais.

À abertura do espaço presidencial, marcada por manifestações culturais desde Ramalho Eanes sucede, com Jorge Sampaio, a abertura virtual da Casa de Belém aos habitantes do planeta que navegam na Internet.

A dimensão internacional assumida pelo palácio ao longo dos séculos torna-se, agora, mundial.

Mestre Dr.ª Maria José Guerreiro Duarte
Dr.ª Maria Helena Pais de Sousa


Fontes / Bibliografia

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