Nesta página poderá encontrar intervenções escritas pelos participantes no debate promovido pelo Presidente da República durante a Semana da Educação realizado a 23 de Junho de 1998 no convento da Arrábida.

A educação e o futuro word A Educação e o Futuro debate promovido pelo Presidente da República durante a Semana da Educação.

23 de Junho de 1998
Convento da Arrábida
 
 

    Recolhem-se neste livro os textos das intervenções proferidas no debate «A educação e o futuro», que teve lugar a 23 de Janeiro de 1998, durante a Semana da Educação. No Convento da Arrábida, diversos intelectuais, cientistas e artistas procuraram identificar, na situação presente, os temas que vão marcar as práticas e os discursos educativos nos próximos tempos.

    Apesar do carácter informal do debate, que foi concebido como um momento de troca de ideias e de opiniões, pareceu oportuno divulgar estes 16 textos, de características muito diversas, que dão a conhecer reflexões de autores ligados às questões da educação, mas também de personalidades que se dedicam a outras profissões e áreas do saber.

    Na organização da antologia seguiu-se a própria ordem das intervenções - a qual, aliás, não estava previamente combinada - respeitando assim o ritmo dos diálogos. No final, transcreve-se o discurso de encerramento da Semana da Educação, pronunciado no dia seguinte no Palácio da Ajuda, no qual se inscreveram já algumas das preocupações manifestadas pelos participantes neste debate.

    As conversas tiveram, naturalmente, como pano de fundo as actividades realizadas ao longo desta iniciativa presidencial. Por isso, ainda que de forma necessariamente breve, parece-me útil deixar alguns apontamentos sobre a Semana da Educação, tal como fiz na abertura do encontro da Arrábida.

    O primeiro dia foi dedicado ao tema da responsabilidade social pela educação, isto é, ao princípio da educação como responsabilidade de todos. Visitei experiências inovadoras, por vezes em bairros com grandes carências e dificuldades, que se distinguem por um esforço de envolvimento de todos
os parceiros sociais (famílias, autarquias, empresas, etc.) na vida da escola. Encontrei-me com jovens que não cumpriram a escolaridade obrigatória e que frequentam, agora, programas de formação organizados por uma associação para o desenvolvimento local. Recebi representantes de associações de pais de todo o país e participei no acto de criação de um Conselho Local de Educação. Permitam-me que retome palavras ditas nesta ocasião:

    A Escola não é apenas um problema do governo, dos professores ou dos técnicos. Ninguém pode ficar indiferente ao seu destino. Mas para que este apelo não seja meramente retórico, é necessário que se traduza em modalidades concretas de colaboração. É no plano local que os princípios da autonomia e da participação ganham todo o seu sentido e pertinência. [?] Não se trata de diluir responsabilidades ou de criar novas estruturas que tornem ainda mais complicados os processos de decisão e a vida nas escolas. Trata-se, bem pelo contrário, de apelar a uma maior responsabilização de todos, marcando claramente as fronteiras de intervenção de cada um. Neste aspecto, é importante reforçar as competências profissionais dos professores e a capacidade de intervenção das autarquias. Em Portugal, temos de «somar presenças» e não de «repartir encargos».

    O segundo dia, talvez o de maior visibilidade mediática, centrou-se na necessidade do cumprimento efectivo da escolaridade obrigatória. Numa escola do 1.º ciclo do ensino básico confirmei a possibilidade de um trabalho educativo participado e democrático com grande rigor e atenção às aprendizagens escolares. Esta experiência é, em si própria, a melhor crítica às dicotomias que muitas vezes utilizamos para pensar a educação (expansão ou qualidade, democratização ou selecção, aprendizagens escolares ou desenvolvimento pessoal, etc.). Neste dia, através de diálogos no terreno foi possível ouvir as populações, o que permitiu compreender as dificuldades do «isolamento» de certas comunidades e o modo como, infelizmente, o princípio da escolaridade obrigatória não está ainda inscrito na cultura e nos hábitos de todos os portugueses. O contacto com o trabalho de cooperação que se realiza nos «territórios educativos de intervenção prioritária» deu-me um conhecimento mais exacto deste tipo de iniciativas, que procuram juntar esforços, recusando um discurso fatalista sobre o abandono, o insucesso ou a exclusão escolar. A este propósito, vale a pena retomar algumas passagens do discurso de abertura da Semana da Educação:

    Nas últimas décadas democratizou-se o acesso à educação. Mas nem todos os alunos obtêm ainda uma formação de qualidade. Acusa--se muitas vezes a escola portuguesa de ser pouco selectiva e exigente. Na verdade, é uma escola que continua marcada pelo abandono e pelo insucesso, apresentando taxas elevadas de repetência. Tem-se o sentimento que junta, frequentemente, o pior do sistema selectivo e o pior do sistema igualitário: produz exclusão e tende a nivelar por baixo. E, no entanto, sei que há muitas escolas que são capazes de associar o melhor dos dois sistemas: um ensino rigoroso e exigente, capaz de contribuir para uma maior igualdade de oportunidades. Estas escolas existem. Não são um sonho, nem uma utopia.

    No terceiro dia, procurei sublinhar a importância de encontrar novas formas de relação com o trabalho, como factor educativo e pedagógico, e novas modalidades de inserção dos jovens na vida activa. Através da visita a uma escola profissional, na qual promovi um debate sobre «Educação, formação e trabalho», quis mostrar as mudanças em curso no mundo da educação e no mundo do trabalho, assinalando as consequências deste facto para a organização das escolas e das empresas. O dia terminou, simbolicamente, com uma referência ao ensino artístico e à sua importância como formação profissional especializada, mas também como elemento imprescindível à formação cultural de todos os cidadãos. Como afirmei ao apresentar publicamente a Semana da Educação:

    Uma das críticas feitas à escola é a sua incapacidade de preparar para a vida profissional. A crítica é justificada. Todos os anos há milhares de alunos que se apresentam à entrada do mercado do trabalho sem diploma e sem qualificações. No grupo etário após os 15 anos vivem-se situações de grande vulnerabilidade. Muitos jovens não concluíram a escolaridade obrigatória. Muitos outros não trabalham, nem estudam. O processo de marginalização inicia-se na escola, continuando depois na vida social e na procura do primeiro emprego. É um dos mais graves problemas sociais do nosso país. Mas a solução não está em voltar aos modelos do passado. É preciso alargar o leque de escolhas dos jovens, apoiar a construção das suas identidades profissionais e assegurar-lhes a possibilidade de novas oportunidades de formação.

    O quarto dia foi marcado por uma preocupação com a «educação de adultos» ou, para utilizar uma expressão mais recente, da «educação e formação ao longo da vida». Contactei de perto com situações confrangedoras e com esforços comoventes de homens e mulheres que procuram adquirir novas qualificações e competências. Quis ligar esta questão a um debate sobre «democracia e liberdade», tema da aula que dei numa escola secundária. Na verdade, uma participação mais activa na vida cívica pressupõe uma melhoria da formação escolar e cultural dos portugueses, pressupõe a aprendizagem das regras e dos sentidos da democracia. Ao mesmo tempo, as novas realidades do emprego e da economia exigem uma constante actualização de conhecimentos e de técnicas. É na articulação destes dois aspectos que o conceito de «educação e formação ao longo da vida» ganha toda a sua pertinência.

    Nas sociedades do futuro aumentarão os riscos de fractura social entre os que sabem e os que não sabem. A situação é particularmente grave num país como Portugal, cuja população possui percentagens elevadas de analfabetismo e baixos níveis de qualificação. É preciso romper o ciclo da ignorância que gera mais ignorância. E instaurar práticas de cultura que criem mais necessidades de cultura. Conceber e organizar «segundas oportunidades» de formação, que abram novas perspectivas de desenvolvimento pessoal e profissional, é uma necessidade das sociedades actuais, uma vez que a incerteza e a imprevisibilidade obrigam a uma adaptação permanente e à aquisição de novos conhecimentos.

    Finalmente, no quinto dia, insisti na necessidade de repensar os planos de estudo e os currículos do ensino secundário, de modo a que os alunos obtenham uma cultura sólida e ao mesmo tempo adquiram competências e saberes que os preparem para o mundo de hoje. A visita a experiências de integração de alunos com problemas de aprendizagem foi um momento de grande significado para mim. Manifestei um interesse muito especial em relação às questões do ensino experimental e da educação científica, bem como à utilização das novas tecnologias de informação. Quis sublinhar a sua importância para o desenvolvimento tecnológico, mas também para a preparação de cidadãos mais aptos a intervirem na nova «sociedade da informação». A escola deve ser um espaço particularmente atento ao desenvolvimento do espírito crítico, das diversas formas de tratamento da informação e das capacidades de comunicação. A necessidade de consolidar uma cultura de avaliação (dos alunos, dos professores, das instituições e das políticas) foi um tópico constante ao longo desta jornada. O debate que deu origem a este livro procurou, justamente, reflectir sobre alguns destes aspectos. O dia terminou com um encontro reservado aos professores e às suas associações, no qual chamei a atenção para a urgência de resgatar o prestígio social dos professores, mas também para a importância de se celebrarem novos compromissos profissionais. O princípio da responsabilidade social pela educação não pode, em nenhum caso, servir de desculpa para uma menor responsabilidade profissional dos professores.

    A homogeneização da cultura e a consolidação de uma cidadania nacional foram a razão de ser da profissão docente. Hoje, a ideia de que a escola deve ser devolvida à sociedade, responsabilizando a sociedade pela escola, provoca mudanças de grande significado.
É um projecto do maior alcance político e cultural. Mas é bom lembrar que o êxito de qualquer dinâmica de colaboração passa pelo respeito de todos os intervenientes. A maior presença dos pais e das comunidades no espaço escolar deve contribuir para um reforço do prestígio, das competências e da autonomia profissional dos professores. Uma parceria eficaz implica que cada um saiba exactamente qual é a sua função e esteja disposto a prestar contas do trabalho realizado. Então, as vantagens da partilha e da cooperação tornar-se-ão evidentes. E cada parceiro aprenderá a tirar partido da acção do outro.

    Eis os temas em torno dos quais se organizou a Semana da Educação. Critica-se a escola pelas mais diversas razões, quantas vezes contraditórias. Mas, ao mesmo tempo, exige-se-lhe a resolução de todos os problemas sociais. Pretende-se que restaure os valores e que imponha aos jovens as regras da vida social. E, na hora da verdade, são-lhe exigidas contas pelos conhecimentos que os alunos adquiriram ou não adquiriram. A escola pode muito. Mas não pode tudo. E não pode, com certeza, substituir o Estado, a sociedade e as famílias.

    O que a escola sabe melhor é transmitir os conhecimentos e a cultura e ensinar os alunos a comunicarem e a viverem em conjunto. Concentremo-nos, pois, no essencial. Naquilo que a escola faz melhor. Com a coragem de encontrar novas formas de pensar a educação e o futuro. Há vontades e energias que é possível mobilizar. Há pessoas e experiências que são portadoras de novas culturas educativas. O debate que quis suscitar é eminentemente político, no sentido mais amplo da palavra. Não é meu desejo, nem competência, discutir opções técnicas, pedagógicas ou científicas. As questões de fundo são escolhas de sociedade, são maneiras de ver e de sentir o Portugal do século xxi.
 

Jorge Sampaio
 
 
 

INDICE
 

Pensar o futuro da Educação

O Futuro, a Educação, a Instituição e o Saber Escolar

A Escola entre o Local e o Global

A mitificação da Tecnologia

Questões, Problemas e Propostas para o futuro imediato

Educar para a Educação

A massificação do Ensino

Uma Escola para a Democracia

A Escola: uma ponte entre o Estado e a Sociedade Civil

O Valor libertador do Conhecimento e das Práticas

Reinventar a Cultura Educativa

Educação ou a aposta na relevância

A Educação e o Uso da Palavra

Apostas para uma Educação de Qualidade

Responsabilidade Educativa, Sensibilidade e Cidadania

Aprender a Pensar

Discurso de encerramento da Semana da Educação

PROGRAMA